Crime de interpretação jurídica é destaque em debate sobre responsabilidade civil do Estado

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Projeto para criar um Estatuto da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado (PLC 126/2015) foi debatido nesta terça-feira (21) em audiência pública promovida pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Os magistrados, advogados e professores participantes do debate, aprovaram a ideia da proposta e apresentaram sugestões. Entre elas, maior cuidado com a parte do texto que trata da punição do chamado “crime de hermenêutica”, que responsabiliza penalmente o juiz pela interpretação equivocada da lei com a tomada de decisões erradas.

A proposta estabelece a responsabilidade objetiva do Estado por atos de seus agentes, assim como a responsabilização subjetiva — condicionada à comprovação de dolo ou culpa — no caso de omissões. De autoria do deputado federal Hugo Leal (PSD-RJ), a matéria é relatada pelo senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), que apresentou um texto substitutivo.

Uma das inovações trazidas pelo substitutivo se refere ao direito de regresso — meio disponível para o Estado ser ressarcido de dano causado a terceiro por agente público. Assim, buscou-se limitar a responsabilização pessoal de juízes e membros dos tribunais de contas ou funções essenciais à Justiça aos casos de dolo ou culpa grave. E afirmou a inexistência de direito de regresso contra parlamentares, nos casos em que atuarem protegidos pela imunidade material por opiniões, palavras e votos. Ficou definida também a imprescritibilidade da ação de regresso.

Hermenêutica

Apesar de considerar a proposta como um avanço na legislação, Felipe Albertini Nani Viaro, da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), entende que a responsabilização indireta, aplicada correntemente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) “equilibra melhor as forças”.

Para o magistrado, um dos problemas da hipótese de crime de hermenêutica é que o juiz seja responsabilizado por uma opinião jurídica válida, que foi reformada com a prevalência nos tribunais superiores de outra posição jurídica. Ele defende a necessidade de independência judicial.

— Me parece que a legislação que existe hoje equaciona bem a questão e evita a extensão indevida de responsabilidade em cadeia. Ela estabelece responsabilidade no caso de dolo e fraude. O juiz tem que ser livre de pressão para decidir tanto por uma absolvição, quando for necessário, quanto por uma condenação, quando os elementos de prova na visão jurídica dele assim indicarem. E isso gera uma preocupação muito grande — disse.

No mesmo sentido, Flávio Jaime de Moraes Jardim, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), também questiona a construção do conceito de culpa e dolo. Ele afirmou que o servidor público tem medo de ser responsabilizado, mesmo quando não ocorreu uma imperícia jurídica, mas apenas uma interpretação da norma que acabou não prevalecendo. Ele propôs que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro seja referida no substitutivo.

— Esses dispositivos são fundamentais para construir a forma como a culpa deve ser avaliada e averiguada nos casos de direito de regresso — acrescentou.

O advogado foi apoiado nessa sugestão pelo advogado e professor Márcio Cammarosano.

— Nós temos visto uma má compreensão — e até determinados erros jurídicos — no que diz respeito a dolo. Hoje em dia, com muita frequência, se tem confundido dolo com mera voluntariedade da conduta — explicou.

Para Ana Carolina Roman, vice-presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), essa hipótese de crime de interpretação gera o receio de restrição da atuação também do membro do Ministério Público Federal, com a possibilidade de responsabilidade civil apenas com culpa, por exemplo.

Maurício Zockun, diretor do Instituto de Direito Administrativo Paulista (Idap), também questionou a responsabilização direta do agente público.

— Você solta o agente público aos leões, porque nem a defesa pública ele tem ao seu favor. Quando ele pratica um ato é obrigado a contratar advogado privado para defendê-lo. É mais um ônus para o servidor. O dispositivo é válido, mas não é adequado neste momento, teria que vir acompanhado de alguma garantia, então eu tenho ressalvas. Nesta parte, o projeto de lei pode tornar a administração mais engessada do que ela é — afirmou.

Dano moral coletivo

O dano moral coletivo foi a maior preocupação da representante do Ministério Público Federal, para quem o texto do substitutivo deveria ser mais detalhado. No entendimento da procuradora Ana Carolina Roman, a questão já está prevista expressamente nas relações de consumo e é muito forte na Justiça do Trabalho (STJ), mas nem sempre é reconhecida na Justiça Federal.

— A maior dificuldade que o Ministério Público enfrenta é a prova da dor, do sofrimento para o reconhecimento do dano moral coletivo. Ou seja, é como concretizar um dano em uma situação que é naturalmente difusa, sentida por toda a sociedade, sem que você consiga individualizar o dano. Se estivesse expresso na lei, seria mais fácil lidar — ressaltou.

Os casos ligados à responsabilidade de concessionárias de serviços públicos foram citados como exemplos de dano moral coletivo pelo juiz Felipe Albertini.

— A jurisprudência não está muito sedimentada sobre exatamente a natureza de responsabilidade. É caso como ressolagem de caminhão, animais na pista, superlotação em coletivos, assédio de passageiras, que aparece muito nas varas cíveis e não estão bem resolvidos a extensão, os limites da responsabilidade —observou.

Estatuto

A proposta que veio da Câmara dos Deputados é de um estatuto com alcance nacional e incidência sobre todas as esferas federativas, aplicando-se às pessoas jurídicas de direito público e privado, prestadoras de serviços públicos, e aos seus representantes (concessionários, permissionários ou autorizatários), excluindo-se as estatais exploradoras de atividade econômica.

A emenda de Anastasia se organiza em duas partes, uma dedicada ao direito material, outra ao direito processual. Ele manteve regido por legislação específica, porém, a responsabilidade contratual, que considera mais bem encaixada na Lei de Licitações; a decorrente de desapropriação, por se tratar de microssistema com regras totalmente próprias; e os casos de responsabilidade por risco integral.


Source: Senado

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