Vetos desestruturam leis de distribuição de absorventes para mulheres carentes

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O presidente Jair Bolsonaro sancionou a criação do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual (Lei 14.214). O chefe do Executivo, no entanto, vetou a previsão de distribuição gratuita de absorventes femininos para estudantes de baixa renda e pessoas em situação de rua, que era a principal medida determinada pelo programa. A sanção foi publicada na edição desta quinta-feira, 7, do Diário Oficial da União. 

Com isso o Prefeito Eliseu Mibach (PSDB) vetou parcialmente a lei, passando a distribuição dos absorventes para o Governo Federal, mas agora com o veto do Presidente, a lei municipal fica sem objeto.  O veto municipal foi aprovado pela Câmara de Vereadores na 28ª Sessão Ordinária do dia 04 de outubro.  Segundo o vereador proponente os recursos para a aquisição do material seriam viabilizados pelo Governo Federal e não pelo Municipal, como estipulado anteriormente na lei.

Esse veto do Governo Federal terá impacto na lei recém aprovado pela Câmara de Vereadores de Porto União, de autoria do vereado Fernando Barulho (PSDB), que versa sobre o mesmo tema. Aprovada na 23ª Sessão Ordinária do dia 23 de agosto, no princípio a lei municipal determinava que os absorventes fossem distribuídos pelas secretarias de Educação e Assistência Social, mas em seguida foi aprovada a Lei Federal.

Enquanto isso, alguns estados estão discutindo e outros já aprovaram leis com o mesmo teor. É o caso do Paraná que aprovou a proposta de combate à pobreza menstrual e de garantia à dignidade a adolescentes e mulheres paranaenses em situação de vulnerabilidade social e econômica.

Pela legislação, o Poder Executivo poderá receber doações de absorventes higiênicos de órgãos públicos, sociedade civil, ONGs, e iniciativa privada para realizar distribuição gratuita às estudantes e população em vulnerabilidade social.

A nova lei (20.717/2021) promove o combate à pobreza menstrual em todo estado, por meio de ações que tenham como objetivos a garantia da saúde básica menstrual de pessoas com útero ativo e a prevenção contra riscos de doenças, garantindo a dignidade feminina.

Sobre o veto do Governo Federal as deputadas estaduais autoras do projeto no estado, Cristina Silvestri (CDN), Cantora Mara Lima (PSC), Mabel Canto (PSC) e Luciana Rafagnin (PT) assinaram, de maneira conjunta, um documento que será expedido ao Congresso Nacional pedindo o comprometimento de parlamentares para a derrubada dos vetos presidenciais na Lei Federal 14.214/2021, que institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual. A Petição das legisladoras paranaenses conta, ainda, com a assinatura de vereadoras de municípios de todas as regiões do Estado. O posicionamento foi articulado pela Procuradoria da Mulher da Assembleia Legislativa do Paraná.

A deputada Cristina Silvestri, atual procuradora da mulher da Assembleia Legislativa, lembrou que os vetos ocorrem na contramão do que Estados como o Paraná estão fazendo frente ao tema.

“Aqui no Paraná nós tivemos uma boa notícia sobre o assunto ainda nesta semana, com a sanção da nossa Lei Estadual pela Dignidade Feminina, mas isso precisa ser política nacional. Nossas procuradoras, no interior do Estado, também têm avançado com o nosso apoio nesta pauta e aprovado leis municipais de combate à pobreza menstrual. Esta luta é por todas aquelas que não têm acesso a este item básico de higiene”, destacou. A legislação que cria diretrizes para a distribuição de absorventes higiênicos no Paraná é a Lei 20.717/2021.

No documento, deputadas e vereadoras relembram que só no Paraná, 460 mil mulheres vivem em situação de vulnerabilidade social e extrema pobreza, público, justamente, que depende de políticas públicas para o acesso aos absorventes higiênicos, item básico para a saúde da mulher. Além de evitar doenças graves, iniciativa como esse atende meninas jovens. Pesquisadoras indicam que uma em cada quatro jovens já faltou aula por não poder comprar absorventes.

Em Santa Catarina o Projeto de Lei (PL) 418/2019, de autoria da deputada Ada de Luca (MDB), está em discussão na Assembleia Legislativa do Estado, que trata de políticas públicas de conscientização sobre a menstruação e a universalização de absorventes higiênicos. Foi realizada uma audiência pública e o projeto está nas comissões da Casa. São Paulo foi o primeiro estado a aprovar lei nesse teor.

O projeto federal

A proposta (PL 4.968/2019), da deputada Marília Arraes (PT-PE), foi aprovada pelo Senado em 14 de setembro, sob a relatoria da senadora Zenaide Maia (Pros-RN). A intenção era combater a precariedade menstrual, que significa a falta de acesso ou a falta de recursos para a compra de produtos de higiene e outros itens necessários ao período da menstruação.

Segundo a senadora, a pobreza menstrual, um problema que já atingia milhões de mulheres no mundo, teve seus efeitos agravados pela pandemia. Durante a votação no Plenário do Senado, Zenaide lembrou que a cada quatro jovens, uma não frequenta as aulas durante o período menstrual porque não tem absorvente — ou seja, o mínimo necessário à dignidade e à higiene pessoal. 

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, sinalizou que trabalhará pela derrubada do veto do presidente Jair Bolsonaro ao trecho de um projeto de lei que prevê a distribuição gratuita de absorventes, Pacheco afirmou que esse veto deve ser derrubado. “São impressionantes as histórias de proteção com papel de jornal e miolo de pão por adolescentes e mulheres carentes”, disse Pacheco na publicação. O veto deve ser analisado em sessão do Congresso Nacional, quando deputados e senadores decidem se mantém ou derrubam vetos presidenciais a projetos aprovados na Casa. Na mesma sessão também votam projetos de lei do Congresso Nacional, os chamados PLNs. Nas Redes sociais a Comunicação do Governo Federal afirmou que irá trabalhar para distribuir os absorventes. “Apesar de os vetos, o Governo Federal irá trabalhar para viabilizar a aplicação dessa medida, respeitando as leis que envolvem o tema, para atender de forma adequada as necessidades dessa população”.

Programa de Saúde Menstrual

Com os vetos interpostos por Bolsonaro, o alcance da nova lei ficou restrito à criação do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, que tem como objetivos combater a precariedade menstrual, oferecer garantia de cuidados básicos de saúde e desenvolver meios para a inclusão das mulheres em ações de proteção à saúde menstrual.

Foi mantida a obrigatoriedade do poder público de promover campanha informativa sobre a saúde menstrual e as suas consequências para a mulher.

A nova lei determina também que o programa seja implementado de forma integrada entre todos os entes federados, mediante atuação, em especial, das áreas de saúde, de assistência social, de educação e de segurança pública.

Distribuição gratuita

Ouvido o Ministério da Economia e o Ministério da Educação, o presidente decidiu vetar o artigo primeiro do projeto, que previa “a oferta gratuita de absorventes higiênicos femininos e outros cuidados básicos de saúde menstrual”, bem como o artigo terceiro, que apresentava a lista de beneficiadas, tais como estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública de ensino; mulheres em situação de rua ou vulnerabilidade social extrema; mulheres apreendidas e presidiárias, recolhidas em unidades do sistema penal; e mulheres internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa.

Conforme o governo, a iniciativa do legislador nesses dois artigos é até meritória, mas contraria o interesse público, uma vez que não há compatibilidade com a autonomia das redes e estabelecimentos de ensino e não indica fonte de custeio ou medida compensatória. 

Sistema Único de Saúde

O artigo 6º do projeto também foi vetado. Ele determinava que as despesas com a execução das ações previstas na lei ocorreria por conta das dotações orçamentárias disponibilizadas pela União ao Sistema Único de Saúde (SUS). 

O governo novamente não concordou, alegando que absorventes higiênicos não se enquadram nos insumos padronizados pelo SUS e não se encontram na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename). Além disso, “ao estipular as beneficiárias específicas, a medida não se adequaria ao princípio da universalidade, da integralidade e da equidade do Sistema Único de Saúde”. 

O Executivo alegou também contrariedade  ao interesse público, pois criaria despesa obrigatória de caráter continuado, sem indicar a área responsável pelo custeio do insumo e “sem apontar a fonte de custeio ou medida compensatória e de compatibilidade com a autonomia das redes e dos estabelecimentos de ensino”. 

Cestas básicas

O presidente também vetou o item do projeto que determinava a inclusão de absorventes nas cestas básicas entregues no âmbito do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan).

Para o Executivo, a iniciativa extrapola o âmbito de aplicação da Lei 11.346, de 2006, que dispõe sobre as definições, princípios, diretrizes, objetivos e composição do Sisan. “Nesse sentido, o projeto de lei introduziria uma questão de saúde pública em uma lei que dispõe sobre segurança alimentar e nutricional”, justificou. 

Análise dos vetos

Os vetos agora serão analisados pelos parlamentares em sessão do Congresso Nacional, com data ainda a ser marcada. Para a rejeição do veto, é necessária a maioria absoluta dos votos de deputados e senadores, ou seja, 257 votos e 41 votos, respectivamente, computados de forma separada. Registrada uma quantidade inferior de votos pela rejeição em uma das Casas, o veto é mantido.

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