Provocado por imprudência, desastre ceifou a vida de 242 pessoas
Em 27 de janeiro de 2013, o mundo todo se chocava com uma tragédia que mudaria para sempre a história das casas noturnas no País. Na Boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, um integrante de uma banda que tocava no local acendia um sinalizador de uso externo dentro da boate, que liberou gases tóxicos e desencadeou um incêndio. A casa noturna não seguia as diretrizes de segurança, com extintores insuficientes e vencidos, além de saídas de emergência inadequadas. Naquela noite, 242 pessoas morreram e mais de 600 foram feridas. A maioria das vítimas morreu por asfixia. Oito anos depois do caso réus ainda não foram julgados.
O impacto da tragédia
No Brasil todo, após o desastre na cidade de Santa Maria, as leis e diretrizes para funcionamento de casas noturnas se tornaram mais exigentes, para evitar que tragédias como a da Boate Kiss se repetissem. Conversamos com o comandante do Corpo de bombeiros de Porto União, Capitão Marcos Colla, que nos contou mais sobre o impacto dessa tragédia em âmbito nacional e local.
Segundo o Capitão Colla, ocorreram diversas mudanças na legislação após o desastre, “No âmbito Federal, foi promulgada a Lei Federal nº 13.425, em 30 março de 2017, mais conhecida como “Lei Kiss”, e com abrangência em todo o território nacional. O diploma legal estabeleceu diretrizes gerais sobre medidas de prevenção e combate a incêndio e a desastres em estabelecimentos, edificações e áreas de reunião de público, e uma inovação trazida foi a exigência de que os cursos de graduação em Engenharia e Arquitetura em funcionamento no País, em universidades e organizações de ensino públicas e privadas, e os cursos de tecnologia de ensino médio correlatos, passem a incluir nas disciplinas ministradas conteúdo relativo à prevenção e ao combate a incêndio e a desastres”, explicou.
Na região, também houveram mudanças, “Na esteira da comoção nacional da fatídica tragédia ocorrida na Boate Kiss, que vitimou fatalmente 242 pessoas, na maioria jovens, gerou revolta e um clamor generalizado por mais segurança nos estabelecimentos de concentração de público, houve uma guinada legislativa que sensibilizou os poderes constituídos do Estado de Santa Catarina e foi concebida a Lei Estadual Nº 16.157, sancionada pelo Governador do Estado em 7 de novembro de 2013, e que dispõe sobre as normas e requisitos mínimos para a prevenção contra incêndio e pânico, e a regulamentação desta Lei foi promovida de forma célere pelo Poder Executivo, por meio de Decreto Estadual. Com a consolidação da referida lei e de seu decreto regulamentador, o instituto do poder de polícia passou a ser exercido em toda a sua plenitude pelo CBMSC”, disse. Ou seja, além de editar legislação em sentido amplo, analisar projetos preventivos contra incêndio, vistoriar edificações e locais de eventos e expedir atestados autorizativos, a Corporação de Bombeiros foi legalmente habilitada a aplicar sanções, desde advertências, podendo chegar até a emissão de multa, nos casos de descumprimento das normas de segurança contra incêndio e pânico vigentes.
Para Colla, é de extrema importância que as diretrizes de segurança sejam seguidas por casas noturnas, “O cumprimento das normativas de segurança contra incêndio em casas noturnas garante maior segurança a todos os ocupantes do estabelecimento e resguarda o proprietário da edificação que, caso não cumpra as normativas, fica sujeito a receber notificações, multas, sanções, podendo inclusive ocasionar na interdição do imóvel”. Segundo ele, todos os dias o Corpo de Bombeiros está prevenindo acidentes e salvado vidas, “Diariamente nossas equipes estão preparadas para atuarem nas mais diversas ocorrências com o intuito de salvar vidas, tais como atendimento pré-hospitalar, combate a incêndio, resgate veicular, busca e salvamento, etc”, relatou.
“Kiss, oito anos de impunidade”
Essa é a frase estampada no novo mural que ocupa a fachada do que sobrou da Boate Kiss. Quase uma década depois, os quatro réus do caso ainda aguardam o júri popular, que não tem data para acontecer. Na melhor das hipóteses, ocorrerá em algum momento no segundo semestre deste ano.
No processo criminal, com mais de 85 volumes, os empresários e sócios da boate Kiss, Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, além do vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, e o produtor do grupo musical, Luciano Bonilha Leão, respondem por homicídio simples (consumado 242 vezes, por causa do número de mortos) e por 636 tentativas de homicídio, de acordo com o número de feridos.
Ao longo do ano passado, os réus travaram uma batalha judicial vitoriosa para que o julgamento pelo júri popular fosse transferido da comarca de Santa Maria para um foro na capital, Porto Alegre. Entre os argumentos para pedir o desaforamento do caso, os réus alegaram dúvida sobra a parcialidade dos jurados em Santa Maria, por causa da comoção da tragédia, e o ambiente mais distante e controlado da Justiça de Porto Alegre.
Distribuído por sorteio para a 1ª Vara do Júri do Foro Central de Porto Alegre, em dezembro do ano passado, o processo da boate Kiss agora aguarda a designação de um juiz titular para a Vara, já que a magistrada que ocupa atualmente o posto, Taís Culau de Barros, assumirá novo cargo no Tribunal de Justiça do estado (TJ-RS) a partir de fevereiro. Só depois que um novo juiz da 1ª Vara for definido é que a data e o local do julgamento serão definidos. Desde já, no entanto, a principal preocupação dos familiares das vítimas é que o júri popular não seja a portas fechadas e permita a participação deles.
Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria
“Essa situação é muito injusta. São oito anos de sofrimento e dor e, durante esses anos, a gente perdeu muitos familiares, pais de vítimas, que tiveram outras doenças, agravadas pela dor da perda, e acabaram morrendo”, lamenta Flávio Silva, presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria.
Fundada cerca de dois meses após a tragédia, a entidade reúne pais e familiares das vítimas em busca de reparação. Flávio Silva perdeu a filha Andrielle, de 22 anos, no incêndio. Na ocasião, ela estava na discoteca com mais quatro amigas para celebrar seu aniversário. Todas morreram asfixiadas pela fumaça tóxica liberada pelo fogo que consumia a espuma de isolamento acústico do local. “A gente não teve tempo de curtir o luto, porque nós partimos do luto para a luta. Então, é uma questão de a gente tentar transformar a dor num ato de amor, que é esse ato de prevenção, e tentar salvar vidas”, afirma Silva.
A tragédia
A tragédia na boate Kiss ocorreu na madrugada de 27 de janeiro de 2013, na região central da cidade. Por volta das 2h30, um integrante da banda Gurizada Fandangueira, que fazia uma apresentação ao vivo, acendeu um sinalizador de uso externo dentro da casa noturna, e faíscas do artefato acabaram incendiando a espuma que fazia o isolamento acústico do local. A queima da espuma liberou gases tóxicos, como o cianeto, que é letal. Foi justamente essa fumaça tóxica que matou, por sufocamento, a maior parte das 242 vítimas. Além disso, a discoteca não contava com saídas de emergência adequadas, os extintores eram insuficientes e estavam vencidos. Parte das vítimas foi impedida por seguranças de sair da boate durante a confusão, por ordem de um dos donos, que temia que não pagassem as contas.
Livro espiritual “Nossa nova caminhada”
Alguns familiares acabaram recebendo mensagens espirituais dos entes mortos, psicografados por quatro médios. A obra que reúne psicografias de sete jovens que desencarnaram na Boate Kiss. A ideia de lançar um livro com este conteúdo, é unicamente, confortar o coração de outras mães e pais que também sofreram com a dor da perda física de um filho, destacam os familiares. A renda da venda dos livros é revertida para instituições de caridade