DF: metade das vítimas de feminicídio era casada com o agressor

129 views
9 mins leitura

O Distrito Federal registrou 68 casos de feminicídio de março de 2015 a 18 de março deste ano. Em 2018, quando se constatou o maior número de crimes, foram confirmados 26 casos, uma média de 2,1 por mês.

Apenas este ano, foram registrados cinco assassinatos de mulheres – quase a metade dos 12 crimes contabilizados ao longo do ano de 2017.

A equipe da Câmara Técnica de Monitoramento de Homicídios e Feminicídios (CTMHF), órgão subordinado à Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) que reuniu os dados, mostra que o padrão nacional de vínculo entre vítima e agressor também se repete na capital federal.

A relação estável ou o casamento era o modelo de união que predominava entre eles, correspondendo a 58,8% do total. Em 23,5% dos casos, vítima e agressor já haviam se relacionado dessa forma, estando já separados no momento do crime.

De acordo com o estudo, em 72,1% dos casos de feminicídio, as mulheres já tinham sido agredidas pelos companheiros antes de serem mortas e não tinham prestado queixa na delegacia.

Quase metade (42,6%) delas sofria agressões frequentemente, situação que foi percebida e relatada por vizinhos ou pessoas de seu círculo social, quando questionadas pelas autoridades policiais, após o feminicídio ocorrer.

Na avaliação da Secretaria de Segurança Pública, a decisão de não registrar um boletim de ocorrência amplia a desproteção das vítimas. No total, destaca a análise da CTMHF, apenas 14 (20,6%) delas obtiveram medida protetiva na Justiça, como forma de garantir que o agressor ficasse longe e que elas vivessem com mais segurança.

“São 72% de casos em que a polícia sequer teve chance de agir. Não tivemos notícia, não tivemos a menor condição de agir, nós, da segurança pública e também outros órgãos públicos que poderiam proteger a mulher”, afirma o secretário-executivo da SSP-DF, Alessandro Moretti. “E em metade dos casos, vizinhos, amigos e familiares poderiam ter noticiado e também não procuraram a polícia.”

Motivação

Rio de Janeiro - Mulheres fazem caminhada em solidariedade às manifestações feministas na América Latina, que tem países com alta taxa de feminicídio, segundo a ONU (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Rio de Janeiro – Mulheres fazem caminhada em solidariedade às manifestações feministas na América Latina, que tem países com alta taxa de feminicídio, segundo a ONU – Fernando Frazão/Arquivo Agência Brasil

Em um quinto das ocorrências (20,6%), os homens mataram suas ex-companheiras por não se conformar com a decisão delas de colocar um ponto final no relacionamento. A maioria dos feminicídios, um total de 40, equivalentes a 58,8% dos casos, teve como contexto desentendimentos gerados por ciúmes ou outras questões que causaram tensão entre o casal.

Apesar de o estudo pontuar vários fatores no rol daqueles que desencadearam as tragédias, o secretário executivo da SSP-DF afirma que a violência contra a mulher está sempre associada à possessividade dos homens que transformam suas parceiras ou ex-parceiras em objetos.

“Quando se faz o levantamento da motivação, aparecem vários outros [além de ciúmes], como, por exemplo, motivo fútil”, afirma. “O que mais importa é que, quando se compila [o dado], se chega à verdadeira gênese da motivação, que é o sentimento de posse.”

Em um dos casos de feminicídio registrados pela secretaria, a mulher estava grávida quando foi assassinada, justamente porque o agressor se revoltou diante do anúncio da gestação.

Ainda segundo o estudo, 20 vítimas (29,4%) eram mães e, com a perpetração do feminicídio, 29 crianças, com idade média de 10,4 anos, viraram órfãs.

Protocolo de feminicídio

O secretário executivo ressalta que o governo do Distrito Federal tem buscado coibir o feminicídio a partir de um protocolo que se difere do adotado no restante do país. “Todo crime violento letal contra mulher é considerado feminicídio, inicialmente. Se a mulher morta é encontrada com sinais de violência. Geralmente, em outras unidades da federação, é registrado como homicídio e, durante a investigação, [a condição de feminicídio] vai se confirmar ou não. Aqui no DF, é invertido. Independentemente da causa, inicialmente se registra como feminicídio, para depois, eventualmente, se desqualificar [como tal].”

Para Moretti, esse protocolo contribui para que não se minimize o feminicídio e se dissemine o entendimento de que é um crime bastante grave. Segundo ele, a norma modifica a forma como as autoridades policiais e o Poder Judiciário conduzem seus trabalhos. “A resolução [que estabelece o protocolo] é bastante interessante, porque determina todo um modo de agir, de como a família vai ser tratada, de definir todos os exames periciais que devem ser feitos, uma série de medidas bastante rígidas quanto à apuração”, acrescenta.

Moretti afirma que análises aprofundadas dos dados podem contribuir para a construção de políticas públicas mais eficazes. Um exemplo são as ações de prevenção do feminicídio, que devem ser dirigidas aos diferentes públicos-alvos, conforme seu perfil.

“Quando o agressor tem nível superior, sei quem ele mata e qual o meio que emprega. Quando tem mulher de nível superior, também sei por quem é morta. É enxergar o crime de maneira mais inteligente”, afirma o secretário executivo.

De acordo com os dados, 48,5% dos crimes foram cometidos com arma branca. Em 26,5% dos feminicídios no DF, foram empregadas armas de fogo.

“O problema [do feminicídio], a gente enfrenta no combate. Porque, afinal, qual é a dificuldade do feminicídio? É que não é um crime que acontece na rua, e sim dentro de casa. É preciso que a vítima comunique [as agressões à polícia e procure ajuda ou que alguém que veja e denuncie”, argumenta.

Dos 68 casos reportados, 62 (91,25%) ocorreram nas residências das vítimas. Os demais episódios tiveram como cenário estabelecimentos comerciais (5,9%), espaços públicos (1,5%) ou outros locais (1,5%).

Casos mais recentes do DF

Em 21 de março, três dias após a divulgação do relatório da SSP ser encerrado, os números de feminicídio e tentativa de feminicídio já cresceram. Um deles ocorreu no Itapoã, na residência da vítima, que, segundo a Polícia Civil, foi ferida com uma faca peixeira, pelo ex-companheiro, de 21 anos, que desaprovava o fim da relação.

No dia 11 de abril, um homem, de 33 anos, foi detido após espancar e tentar estrangular uma mulher com um fio de DVD. O caso ocorreu na Ceilândia, região administrativa do Distrito Federal que concentrou a maioria dos feminicídios citados no estudo. Na localidade, nove (13,2%) crimes dessa natureza foram confirmados. Samambaia figura em segundo lugar, com sete ocorrências (10,2%), seguida por Planaltina e Recanto das Emas, que empatam com três casos (4,4%) cada, e Taguatinga, em que foram registrados dois (2,9%).


Source: Agência Brasil

Deixe um comentário

Your email address will not be published.

Publicação anterior

Jardim do Doador simboliza vida de pacientes que têm órgãos doados

Próxima publicação

Presos no Sri Lanka suspeitos de ataques a igrejas e hotéis