Sistema de proteção a crianças vítimas de abuso sexual ainda é falho, dizem especialistas na CDH

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As dificuldades para rastrear redes de pedofilia na internet e as falhas no sistema de proteção às vítimas foram os principais problemas apontados na audiência pública sobre violência sexual contra menores, realizada nesta terça-feira (21) pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH).

Delegada da Polícia Federal especialista no combate à pedofilia, Paula Albuquerque deu exemplos de falhas do sistema de proteção às vítimas e falou como abusos contra as crianças geram sinais visíveis. Eles podem ser automutilação, depressão, choro em excesso, xixi na cama, vocabulário diferente do normal, erotização das brincadeiras, insônia, baixo rendimento escolar e mudanças de comportamento.

De acordo com a delegada, famílias, profissionais de escolas, redes de saúde e policiais precisam estar atentos porque, quando deixam os sinais de abuso ou até mesmo denúncias explícitas passarem despercebidos, quem se transforma em “protegido” é o criminoso. Na avaliação de Paula Albuquerque, a rede de proteção é vulnerável porque os sistemas (família, escola, hospitais e polícias) não se comunicam e não trocam dados nem mesmo dentro das próprias instituições.

Para ela, a maior arma dos policiais no combate é a denúncia das próprias vítimas. De acordo com Paula, os vídeos aos quais a Polícia Federal tem acesso são de verdadeiras “sessões de tortura”. Segundo ela, esses vídeos estão cada vez mais elaborados e disseminados e a velocidade de comunicação da criminalidade é muito superior à capacidade de rastreamento da polícia.

A delegada comentou o caso de uma operação, em parceria com o FBI (a polícia federal norte-americana), na qual foram apreendidos nove HDs de uma rede de pedofilia. Apenas em um deles havia 7 milhões de arquivos.

— É difícil ter recursos para analisar uma rede assim. O atual sistema de investigação não está capacitado para investigar num mundo em que não há sequer um encontro de quem produz o vídeo ou as fotos e quem consome esses dados. Eles ficam disponíveis pelo fornecedor numa “nuvem” por 24 horas e depois desaparecem.

Redes de pedofilia

Outra convidada ao debate, a representante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal, Perla Ribeiro, defendeu o aprendizado sobre a proteção ao próprio corpo como a maior arma para proteger crianças, porque, segundo ela, quem tem noção sobre os limites do corpo inicia a vida sexual mais tarde e de maneira mais protegida.

Ela narrou que, no trabalho contra abuso sexual feito na rede de assistência social e nas escolas do DF, é muito comum as meninas adolescentes relatarem atos de violência sem saber que sofreram abuso ou assédio. Por outro lado, criticou a cultura de pais levarem meninos a bordeis, obrigando-os a iniciarem a vida sexual como prova de virilidade.

Alienação parental

O comportamento dos pais, aliás, tomou parte do debate. Perla Ribeiro contou que a lei sobre alienação parental (Lei 12.318 de 2010) tem sido usada constantemente de maneira equivocada por pais ou mães que, acusados e depois absolvidos em processos de abuso contra crianças, tentam reverter a guarda do filho para eles próprios, alegando alienação. Outras vezes, o genitor é sabidamente pedófilo, mas usa a lei de alienação como garantia do contato frequente com a criança.

— É preciso lembrar que a criança é o sujeito do processo, ela precisa ser ouvida e acreditada. A lei de alienação parental veio no interesse de proteger a criança, mas o que ela faz na verdade é resolver um conflito entre os pais — lembrou Perla.

Como a audiência foi interativa, o senador Eduardo Girão (Pode-CE) leu o comentário de uma cidadã de São Paulo que acusa a lei de acobertar pais pedófilos. Depois comentou o alto número de pais que comunica ao Senado problemas na Lei de Alienação Parental.

O senador Paulo Paim (PT-RS) disse que já há no Senado um documento com mais de 30 mil assinaturas de cidadãos pedindo a revogação da lei. O tema, segundo ele, deve ser discutido em breve em audiência pública requerida para este fim.

Prostituição

Os participantes também comentaram várias situações em que a família deixa o crime acontecer. É o caso do filho abusado pelo pai com a conivência da mãe; da criança abusada por um membro da família, mas que não faz a denuncia por medo ou para não desestruturar o núcleo familiar; da mãe que entrega a filha para o parceiro como forma de garantir a permanência dele em casa; entre outros casos.

Representante do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Cleyton Bezerra acrescentou os casos em que as famílias usam o corpo da criança como fonte de renda. Como exemplo, o senador Paulo Rocha (PT-PA) citou o caso do transporte de carretas em balsas no Estreito de Breves, no Pará, em que as famílias “vendem” a criança aos caminhoneiros durante o trajeto da balsa.

A delegada Paula Albuquerque completou que as próprias crianças se oferecem em troca de um prato de comida. Também comentou que mães fotografam filhas nuas para supostas “agências de modelos”, que pedem imagens até do hímen da criança a título de comprovar a sua virgindade.

Inspetor e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Polícia Rodoviária Federal (PRF), José Teógenes de Abreu contou o caso de crianças pegas em postos de gasolina em Alvorada do Norte (GO), cidade de 10 mil habitantes. O abuso é tanto que a fila de espera por um psicólogo para as vítimas dura meses e chega a quase 200 crianças e jovens.

Ao final, os convidados concordaram que é preciso fazer campanhas de informação ao público infantil e adolescente, melhorar a rede de atendimento (famílias, escolas, polícias e hospitais), difundir o disque-denúncia contra abusos (100), proteger os menores identificados para que não voltem ao convívio com o agressor, além de capacitar servidores para atenderem as vítimas.


Source: Senado

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