A Covid-19 trouxe consigo mudança devastadora nas questões humanas e éticas. Destas perspectivas basta pensar as formas como se estabelece as relações, entre os infectados com a família e a sociedade, quando as relações são cortadas bruscamente, uma vez que o vírus é extremamente agressivo, e pode ser transmitido facilmente.
Para o nosso dialogo ser saudável, caro leitor, apresentarei ao logo do nosso texto diferentes reflexões feitas a partir de leitura realizado no site: http://www.ihu.unisinos.br/. Visitaremos as ideias do filósofo francês Michel Onfray; assim como o do Sociólogo e teólogo luterano Peter Berger; igualmente citaremos o psicanalista Christian Dunker professor titular do instituto de psicologia da USP e finalmente o Teólogo brasileiro Leonardo Boff, as reflexões desses autores vem ao encontro do anseio de refletir a nossa realidade concreta.
Em tempo de isolamento social, Onfray, tem insistido e provocado em diversas entrevistas seus leitores para que leiam os filósofos Estoicos (O Estoicismo é uma escola de filosofia fundada na Grécia por Zenão de Cítio no século III Ac). O estoico é alguém que se caracteriza pela rispidez, alguém que permanece fiel aos seus princípios, que demonstra resignação perante algumas situações trágica ou perante um grande sofrimento. Segundo, Onfray, o distanciamento social imposta ou vivenciada por todos nós, “pode ser uma aterradora revelação do vazio existencial que habita em algumas pessoas que construíram suas vidas mais sobre o parecer que sobre o ser”. A partir dessa reflexão, pode se dizer, que esse dilema, entre o material e os conteúdos interiores é a analise mais profunda que todos precisamos pensar, refletir a partir da realidade que experimentamos.
É nessa linha de pensar o humano, incluso na realidade social de distanciamento imposta, surgem desafios novo, que segundo, perante a ideia do vazio existencial e a realidade do caos, como o sociólogo e teólogo luterano austro-americano Peter Berger, em sua conhecida obra, “A Construção Social da Realidade”, publicada em coautoria com Thomas Luckman, sustenta, que o ser humano manifesta continuamente a necessidade de controle sobre o mundo, os acontecimentos e que não aceita uma realidade desestruturada, “O Ser humano, precisa de um mundo socialmente ordenado. O que ocorre nos últimos meses em âmbito mundial é uma desestruturação de mundo. O universo simbólico vem balançado como um furacão, levando grupos inteiros à experiência da anomia. O medo volta a tomar conta da sociedade, desequilibrando todos os mecanismos de engenharia social voltados para manter o mundo significativamente em pé. As estruturas de plausibilidade se vêm abalados pelo caos”, dessa perspectiva, caro leitor, torna-se importante, voltar a pensar o significado que damos ao nosso universo simbólico e espiritual na atualidade.
Nesse encontro entre o devastador e o incerto, que leva a pensar a Onfray, a necessidade de voltar a repensar a moral defendida pelos estoicos, uma moral romana da coragem, “É evidente que a coragem e a covardia nestes tempos terríveis encontram uma oportunidade de se manifestar. A coragem é rara, mas é incrivelmente difundida entre os profissionais de saúde, composto por um exército de pessoas que partem todos os dias para a frente sem armas e sem capacete, sem meios de defesa, enquanto lá, para onde eles vão, zunem as balas. Quanto à pusilanimidade, é compreensível: ninguém é obrigado a ser um herói, mas certamente podemos acrescentar que todos poderiam ao menos fazer uma tentativa de sê-lo”, afirmou.
O filósofo francês, aponta, que, este tempo de isolamento social identifica três realidades diferentes no mundo contemporâneo. Uma é a Silêncio. A outra é a Solidão. E por último a Liberdade. A primeira e a segunda realidade (Silêncio e Solidão) se manifestam em uma sintonia muitas vezes aterrador, na qual o ser humano contemporâneo não este preparado, por isso, argumenta Onfray, “podemos observar ser uma situação de terrível revelação do vazio existencial que habita em algumas pessoas que construíram suas vidas mais no parecer do que no ser. Para muitas pessoas é muito difícil saber viver sozinhas. Silêncio e solidão assustam aqueles que adoram viver no barulho, na gritaria, no movimento incessante, na confusão. Para aqueles que são habitados pelo vazio abismal, a experiência desse isolamento será um verdadeiro trauma”.
Com base em Onfray, podemos buscar caminho que nos levam a um ponto de equilíbrio, que será fundamental para vencer o silêncio e a solidão, e esta se pode pensar a partir da liberdade, “A liberdade não é uma questão de liberdade de movimento; caso contrário, os peixes na água, os pássaros no céu e as cobras no chão seriam prisioneiros. Liberdade significa autonomia , a arte de criar para si e se dar regras pessoais. Os normandos do passado usavam uma expressão magnífica: convidavam a ser ‘as majestades de si mesmos’. Quem não for ‘majestade de si mesmo”, isto é, senhor de si mesmo, não é livre”. O isolamento social impõe justamente essa busca em construir um exercício da liberdade. Um treinamento necessário para a qual o sujeito contemporâneo é pouco habituado e sem disciplina.
Daí a necessidade de buscar uma continua construção da humildade, nessa proposta, Christian Dunker, professor titular do instituto de psicologia da USP, assevera que o isolamento social é um tempo oportuno para pensar e refletir sobre essa dimensão, “Do ponto de vista de nossa angústia, o coronavírus não poderia ter um nome melhor: ele nos tira do trono de nós mesmos e coloca a coroa de nossas vidas em sua justa dimensão. É a coroa de espinhos que convoca uma experiência escassa em nossa época: a humildade. Diante desta pequena e destrutiva força da natureza, nosso narcisismo se dobra como um vassalo encurralado. Apesar de dolorosa como um espinho na alma, esta pode ser uma experiência profundamente transformadora. Descobrir que podemos muito menos do que pensamos, aceitar o imponderável que nos governa e acolher com humildade o que ainda não dominamos pode ser muito benéfico. Pode ser uma verdadeira terapia para aqueles que precisam descansar a cabeça do peso de sua coroa de espinhos narcísicos”.
A Covid-19 nos obriga a ficarmos reclusos e isolados. Esta realidade impõe limites que nem todos têm esse hábito de recolhimento e solidão. É uma realidade, que pode positivamente, suscitar uma “chispa” de vida espiritual, de entrada no mundo interior e retomada de um caminho distinto para a vida. O isolamento social é um tempo propício para começar a desintoxicar o nosso modo de vida barulhenta e sem muitos conteúdos interiores. Para esse encontro acontecer é primordial não esquecer que os tempos de crise são favoráveis à vida espiritual, a reflexão interior, a buscar novas fontes para fortalecer a alma.
Para que alcancemos esses objetivos, precisamos traçar uma nova rota de caminho interior do “ponto inicial, voltar a resgatar a essência esquecida”, isso é o que chamo de espiritualidade inspiradora de esperança. A espiritualidade, sustenta Leonardo Boff, em sua obra “Reflexões de um velho teólogo e pensador” é inspiração, “para um horizonte de esperança e de capacidade de autotranscedência”. Talvez, a pós-pandemia nos ajude a repensar com mais profundidade a necessidade de construir uma espiritualidade menos sensacionalista, que tenha como base o silêncio e a liberdade, para construir em nossa vida e no mundo uma “Terapia da esperança” como defende o Papa Francisco. Não há escravidão pior do que estar mergulhado no medo e na falta de esperança. Somente uma ideia de espiritualidade alicerçada na Fé-Confiança e no Silêncio-Liberdade, sem super-heróis e sem santos milagreiros, será capaz de apontar caminhos jamais traçados e que são essenciais para a nossa sanidade mental e afetiva.
- Daniel Andrés Baez Brizueña é formado em Teologia, Ciencia das religiões, Marketing, Letras e Filosofia.