Estímulo às crianças pode ajudar o Brasil a criar novos leitores

773 views
13 mins leitura

Incentivar a leitura desde cedo pode ajudar o Brasil a aumentar o número de leitores, de acordo com especialistas entrevistados pela Agência Brasil. A estimativa é de que quase metade dos brasileiros não seja leitor regular. Entre os motivos apontados estão a falta de tempo e a falta de paciência.

Nesta terça-feira foi o Dia do Leitor, criado em homenagem ao suplemento literário do jornal O Povo, do Ceará, que ficou famoso por divulgar o movimento modernista cearense. O jornal foi fundado em 7 de janeiro de 1928 pelo poeta e jornalista Demócrito Rocha.

Desde então, o Brasil melhorou as taxas de analfabetismo, mas ainda hoje enfrenta o desafio de fazer com que as pessoas tenham o hábito de ler. De acordo com a última pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro, 44% dos brasileiros com mais de 5 anos de idade não são leitores, o que significa que não leram nenhum livro nos últimos três meses.

A pesquisa mostra também que ler está ficando mais difícil para os brasileiros, seja por falta de tempo ou de paciência. O índice dos que afirmam que não têm nenhuma dificuldade para ler diminui a cada edição da pesquisa. Eram 48% dos entrevistados em 2007, passando para 33% em 2015. Entre as dificuldades está a falta de paciência. Em 2007, 11% disseram não ter paciência para ler. Em 2015, esse percentual subiu para 24%.

“Acho que o desafio da próxima década é mostrar a importância da leitura, o prazer da leitura, começar a criar uma nova sociedade leitora. É difícil convencer um adulto que nunca teve o hábito de ler a começar a ler, [o desafio] é atrair as crianças”, diz o presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), Marcos da Veiga Pereira.

Para chegar às crianças, a Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, organizada pelo Snel, iniciou, neste ano, o projeto Bienal nas Escolas, que leva autores para escolas públicas. A intenção é que os encontros ocorram também neste ano e em 2021, até a próxima Bienal. “Se quer transformar o Brasil, tem que começar a investir nas crianças”, defende Pereira.

Acesso aos livros

A gerente de Cultura do Departamento Nacional do Serviço Social do Comércio (Sesc), Elisabete Veras, também considera fundamental a leitura desde a infância. De acordo com ela, a relação com os livros começa com a proximidade. “O encantamento se dá pela relação, pelo contato com os livros, pela oportunidade de tocar, de vivenciar esse universo da imaginação. Por isso o acesso [aos livros] é tão importante”, diz.

Esse contato se dá, para muitos brasileiros, em escolas e nas bibliotecas. Elisabete defende as bibliotecas como espaços de diálogo, de palestras, de eventos, de exibições de cinema. “O acesso [aos livros] não pode ser pontual, tem que ter continuidade, para criar hábito. Para que se crie hábito, é preciso fazer parte da rotina, estar inserido no contexto [das crianças] e não ser uma eventualidade”.

Uma das metas da Rede Sesc de Bibliotecas para este ano é a criação de uma grande rede de clubes de leitura, valorizando a cultura de cada localidade e aproximando os autores dos leitores, sobretudo do público infantil. A Rede conta hoje com 309 bibliotecas fixas e 57 unidades móveis (BiblioSesc), nas quais estão inscritos 272 mil leitores. Segundo Elisabete, já existem iniciativas locais, agora a intenção é integrar os projetos.

Crianças que leem

Não são apenas os adultos que estão preocupados com a leitura das crianças e jovens. O projeto Pretinhas Leitoras é prova disso. O projeto nasceu em outubro de 2018, no Morro da Providência, no Rio de Janeiro, com as irmãs Helena e Eduarda, de 11 anos, e Elisa, 5 anos.

Supervisionadas pela mãe, Elen Ferreira, e por Igor Dourado, elas compartilham leituras e pesquisam literatura negra. O que aprendem, as irmãs compartilham com outras crianças e jovens tanto em clubes de leitura, que reúnem também autores e contadores de história, quanto pela internet.

“A literatura é a oportunidade de acessar e compartilhar um pouco daquilo que somos e sabemos. Quando essa interação acontece, criamos uma forma nova de acolher a história que era do outro e passa a ser também nossa de um jeitinho único”, dizem as irmãs, por e-mail, à Agência Brasil.

Para a equipe do Pretinhas Leitoras, a internet é uma grande aliada no incentivo à leitura. “Compartilhamos discussões sobre obras literárias por meio do cyberespaço para potencializar o acesso à leitura e sua divulgação pelas redes”.

A internet significa também, para elas, acesso. “Há que se pensar também sobre a importância que a internet assume ao democratizar o acesso à narrativas distintas e secularmente ignoradas no cenário literário brasileiro. Outro ponto é o acesso à ebooks, que estão diminuindo o preço de aquisição de muitos títulos e possibilitando descobertas dos mesmos. Isso é muito importante em um país no qual o mercado literário é elitista e caro, enquanto a massa populacional é pobre”.

Incentivo familiar

O Ministério da Educação (MEC) lançou, no mês passado, o programa “Conta pra Mim”, que estimula a leitura de livros infantis no ambiente familiar. A pasta disponibilizou uma cartilha para orientar os pais e responsáveis.

CONTE PARA MIM

O ministério da Educação (MEC) lançou o programa “Conta pra Mim”, que estimula a leitura de livros infantis no ambiente familiar. Alunos da rede pública que cursam o 1º e o 2º ano do ensino fundamental são o público-alvo da iniciativa. O programa faz parte da Política Nacional de Alfabetização e, além do estímulo da leitura diária, criará “cantinhos de leitura” para narração de histórias, atividades lúdicas e estímulo à atividade intelectual em creches, pré-escolas, museus e bibliotecas.

 “Eu acredito que esse programa é revolucionário. Pela primeira vez no Brasil existe um programa de valorização da leitura em família. Crianças, pais, mães, avós, padrinhos, tios ou tias podem fazer parte. Eu verdadeiramente acredito na capacidade brasileira de se adaptar e buscar soluções. Cientificamente, os resultados são muito robustos para famílias que leem com seus filhos”, afirmou o ministro da Educação Abraham Weintraub.

O programa prevê o treinamento de “tutores” de leitura, que serão capacitados pelo MEC a partir deste mês. Esses tutores receberão uma bolsa de incentivo de R$ 300 a R$ 400 para colaborar com os cantinhos de leitura. O treinamento desses tutores deve acontecer pela plataforma de ensino à distância do MEC, mas também será feito por aulas presenciais ministradas por técnicos da secretaria de Alfabetização do ministério. “Os dados mostram que o quadro de alfabetização não é bom. Nas duas últimas provas da Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA) tivemos mais de 50% dos alunos com desempenho muito abaixo do esperado. Isso significa que esses alunos não são leitores proficientes. Esse programa é a nossa resposta para mudar isso”, afirmou o secretário de Alfabetização do MEC, Carlos Nadalim.

O custo da iniciativa será de cerca de R$ 45 milhões. Destes, R$ 20 milhões serão usados para a bolsa de incentivo aos tutores, R$ 17 milhões serão usados na impressão do material e dos kits de leitura, e R$ 8 milhões para a logística do programa.

Resultado do Pisa

O secretário citou, ainda, o resultado do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, o Pisa, que mostrou estagnação no índice de compreensão de leitura na última década no Brasil. “Estamos abaixo da média. O problema é que descobrimos que 50% dos estudantes estão bem abaixo da média na proficiência de leitura. Apenas 0,2% dos estudantes atingiram o nível mais elevado. E isso é assustador”, explicou.

Aprendizado em família

A ideia do programa, segundo Nadalim, é que as crianças levem para casa as práticas de contação de histórias, leitura, diálogo familiar e motivação da oralidade entre pessoas da mesma família. Professora de uma escola pública do Plano Piloto, em Brasília, Cíntia Pereira de Paula afirmou estar entusiasmada com a iniciativa. “Esse projeto é muito importante. Nos deparamos muito com crianças que possuem pais ou mães analfabetos, e essas crianças levam uma cultura de conversa, de leitura, de diálogo e de amor pelo conhecimento para um lar onde nada disso existe. É uma forma de inverter o aprendizado: é o pequeno ensinando o grande”.

O projeto prevê a distribuição de “kits de literacia”, compostos de uma “mini biblioteca” de livros infantis da Turma da Mônica – confeccionados especialmente para o programa -, caderno de desenho, giz de cera e um guia de orientações pedagógicas para o estímulo das crianças. Uma parte do conteúdo estará disponível no portal criado para a iniciativa.

Metodologia

A iniciativa do programa segue o princípio da Curva de Heckman, formulada pelo vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 2000, James Heckman. De acordo com o economista, investimentos feitos nas camadas mais jovens da população têm maior retorno social.

Deixe um comentário

Your email address will not be published.

Publicação anterior

Limite de juros para cheque especial começou a valer

Próxima publicação

Campanha contra câncer de pele é estendida até o fim do verão