Engenheiros da Vale negam que houvesse indícios de risco em Brumadinho

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Dois engenheiros responsáveis pela Gerência de Geotecnia da Vale S.A. negaram nesta terça-feira (9) que a companhia tivesse conhecimento de eventual risco de ruptura da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais. A estrutura entrou em colapso no dia 25 de janeiro e provocou a morte de mais de 300 pessoas.

Os funcionários prestaram depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura as causas do desastre. Em fevereiro, eles chegaram a ser presos a pedido do Ministério Público de Minas Gerais porque, segundo os procuradores, sabiam da instabilidade da barragem.

A primeira a ser ouvida foi a engenheira Cristina Malheiros, responsável pelo monitoramento da estrutura. Ela não estava em Brumadinho no momento da tragédia, mas disse aos senadores que, até dois dias antes, não havia “observação de anormalidade” no local.

— No acompanhamento que eu fazia da barragem, nenhuma anormalidade me chamou a atenção para uma eventual possibilidade de rompimento até o último dia em que eu a vi, 23 de janeiro. Tenho minha consciência muito tranquila de que fiz tudo o que foi humana e tecnicamente possível. Isso aconteceu de forma abrupta, de forma rápida, sem nada, sem nenhuma demonstração — afirmou.

A engenheira disse que a barragem era “muito monitorada” com equipamentos para medir a pressão e o nível da água, além de sensores para avaliar a inclinação da parede da estrutura. Segundo Cristina Malheiros, não foi identificado “abatimento, recalque ou movimentação da estrutura”.

O relator da CPI, senador Carlos Viana (PSD-MG), confrontou a funcionária da Vale com documentos colhidos pelo Ministério Públicos de Minas Gerais. Ele lembrou que, duas semanas antes do desastre, os medidores de pressão apresentaram sinais de que a barragem poderia se romper.

— Em 10 de janeiro, uma troca de e-mails confirmava que alguns piezômetros [medidor de pressão da água] passaram a apresentar leituras discrepantes. Cinco deles pararam de funcionar. No dia 23, os técnicos da Vale ainda estavam tentando decidir o que fazer. Duas semanas nessa história toda. A senhora foi informada sobre esses problemas? — indagou o parlamentar.

Cristina Malheiros disse que só foi informada sobre os problemas nos piezômetros um dia após o desastre. Ela afirmou que não se sentiu traída pela Vale, mas criticou a postura da empresa alemã TÜV SÜD, contratada para inspecionar a estrutura.

— A alteração foi identificada num primeiro momento pela TÜV SÜD, que estava fazendo as leituras desses instrumentos. Isso foi reportado à Vale por meio de e-mails, dos quais não participei. Só tive conhecimento dessa alteração depois do rompimento. Não me sinto traída. O que sinto é uma tristeza muito grande por ter sempre confiado nas empresas que prestavam consultoria — disse.

O senador Carlos Viana lembrou ainda que, sete meses antes do desastre, “um faturamento hidráulico” em drenos horizontais instalados na barragem causou sério risco à estrutura. Em um comunicado interno, a engenheira Cristina Malheiros reportou o incidente como grau de risco 6 — em uma escala que vai de zero a dez. No entanto, ao comunicar o caso à Agência Nacional de Mineração (ANM), reduziu o alerta para o nível 3.

— Pelas informações que temos, o nível 6 já incidiria na imediata suspensão dos trabalhos da barragem para outras verificações mais sérias envolvendo a possibilidade de rompimento — argumentou o relator.

A funcionária da Vale minimizou a gravidade do incidente. Cristina Malheiros classificou o faturamento hidráulico como “um problema pontual”.

— Como isso ocorreu no dia 11, reportei para a empresa tudo o que fizemos. Por isso, a classificação 6. A comunicação à ANM ocorreu no dia 16, quando toda a barragem estava em normalidade e não havia mais percolação com sólidos. Por isso, tem uma diferença de classificação — disse.

Sentimento de impotência

O segundo a depor foi o engenheiro Renzo Albieri, responsável pela gestão da barragem de Brumadinho. Ele disse que, até o momento da tragédia, a empresa acreditava na “estabilidade da estrutura”.

— Nosso sentimento de impotência é muito grande porque a gente não sabe as causas da ruptura — disse.

O senador Carlos Viana leu na audiência pública trechos de e-mails em que Renzo Albieri reconhece que a Vale não estava preparada para executar o Plano de Ação de Emergência em Barragem de Mineração em Brumadinho. O parlamentar lembrou ainda que, embora um radar tenha identificado anomalias na estrutura, nenhuma providência concreta foi tomada.

— Sei que todos foram muito bem orientados a manter a mesma linha de defesa da Vale e dizer que tudo foi feito dentro da lei. Mas não foi. As informações são muito claras de que vocês detinham todos os dados técnicos para evitar que a barragem matasse pessoas. O que a gente tem ouvido aqui é o tempo todo que a Vale cumpriu o papel dela. Não cumpriu — afirmou Viana.

Segundo Renzo Albieri, o radar que identificou anomalias ainda estava em fase de testes. Ele afirmou ainda que a empresa TÜV SÜD “nunca recomendou” que as operações fossem interrompidas em função da estabilidade da barragem.

Requerimentos

Após audiência pública, os senadores aprovaram dois requerimentos. O primeiro, do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), sugere o ajuizamento de uma ação cautelar de indisponibilidade de bens contra quatro dirigentes afastados da Vale: Fabio Schvartsman (diretor-presidente); Gerd Poppinga (diretor de Ferrosos e Carvão); Lúcio Cavalli (diretor de Planejamento e Desenvolvimento); e Silmar Silva (diretor de Operações). Os bens seriam bloqueados até o limite de R$ 5 bilhões.

O segundo requerimento, da senadora Juíza Selma (PSL-MT), pede a transferência à CPI dos sigilos bancário e telefônico de Makoto Namba, engenheiro da empresa TÜV SÜD. Ele fevereiro, ele teria admitido ter sido pressionado pela Vale a assinar uma declaração de estabilidade para a barragem de Brumadinho. Convocado para depor na comissão, Makoto Namba obteve um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal (STF) e permaneceu em silêncio.


Source: Senado

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