Após inúmeras gerações de dançarinos, a modalidade continua sendo ensinada para muitos jovens nas cidades
O ballet é uma modalidade de dança que se originou no Século XV, na Itália renascentista e chegou ao Brasil no Rio de Janeiro, por volta do início do Século XIX. Nas Cidades Gêmeas, há décadas o ballet vem sendo ensinado em diversas escolas de dança e apresentado em espetáculos que revelaram o talento de bailarinos da região. Conheça a história do ballet regional e a trajetória de alguns profissionais da dança das cidades.
Os Primórdios
O ballet clássico começou a ser ensinado nas cidades por volta de 1980. Durante os primeiros anos da década, alguns professores lecionaram a modalidade por um pequeno período, como o argentino Ramon Jisniski, a professora Daniela Toaldo e os professores Pedro Moralles e Ewaldo Júnior, mas após pouco tempo seguiram para outras regiões. Depois desses anos com diversos professores, a entusiasta da arte Terezinha Wolf contatou o professor Tadeu Ribeiro para lecionar o ballet clássico, em 1988. Tadeu aceitou o convite e veio para as cidades, onde até hoje leciona. Ribeiro estruturou a dança na região e formou uma geração de profissionais do ballet, que posteriormente abririam suas próprias escolas de dança. Esse é o caso de Jéscica Olbertz, Samira Castilho e Fábio Bianchini, e de diversos outros professores.
Conversamos com alguns dos profissionais do ballet clássico de União da Vitória e Porto União que nos contaram sobre suas trajetórias pessoais na dança como bailarinos e como professores.
Terezinha Wolf, entusiasta da arte
Terezinha Leony Wolf é uma entusiasta da arte regional que foi uma das responsáveis pela consolidação do ballet nas Cidades Gêmeas. Ela conta que em 1988, quando retornou a morar em Porto União, ela e sua família solicitaram a concessão de uma área do Clube Concórdia para que professores lecionassem aulas de dança: “Apareceram muitos interessados. Pais e alunos solicitando aulas de jazz, ballet, sapateado e danças de salão. Faltavam os professores. Já trabalhava aqui o professor Pedro Moralles que precisava de um local para as aulas de jazz. Para as aulas de ballet procurei a professora Daniela, em Joinvile que lecionava naquela cidade. Cada professor teria como responsabilidade cobrar seus honorários dos próprios alunos, por aula, que cobririam suas passagens e estadia, cada um sendo autônomo para os encargos sociais”, relatou Terezinha, que dedicou seu tempo e esforço a esse projeto. Ela ainda recorda um dos primeiros espetáculos de dança em grande escala da região, “No final do segundo semestre o espetáculo “O CIRCO” foi apresentado no Cine Ópera. Para a montagem do cenário contamos com a colaboração dos bombeiros de Porto União, uma vez que faixas largas e coloridas encobrindo a plateia, ficavam presas no alto do palco e seguiam até os fundos do cinema, terminando no balcão. Para avivar o clima de circo, jovens vestidas a caráter, ofereciam pipocas e amendoins colocados em tabuleiro preso por alça no pescoço”, disse.
Porém, com o fim do ano de 1988, a concessão do Clube Concórdia se encerrou. Foi então que, através de sua filha, Terezinha contatou o professor Tadeu Ribeiro. Na época, ele dava aulas em Pato Branco e Francisco Beltrão. Também foi fundado o Centro de Danças de Porto União da Vitória, associação que Terezinha presidiu. Alguns anos depois, em 1991, em vista do trabalho e cultura promovida pela Centro de Danças, a Prefeitura de Porto União cederia um espaço para a associação na Estação Ferroviária, onde se localizam até os dias de hoje.
Jéscica Olbertz, professora de ballet na Futura Dance
Jéscica Olbertz é professora e proprietária da escola de dança Futura Dance, que já conta com mais de 20 anos de história. Ela foi aluna de Tadeu Ribeiro, mas iniciou sua trajetória na dança com outro professor, “Ballet eu comecei com o professor Ramon, que era um professor argentino. Ele era um senhor de idade, tinha uns 70 anos”, relembra. A paixão de Jéscica pelo ballet era tão grande, que Ramon a aceitou em sua aula, mesmo ela sendo mais nova que as outras alunas. “Ele tinha um sotaque argentino, e a aula dele era bem rígida, bem ballet com cajado mesmo. Mas fiz pouquíssimo tempo com ele, porque ele foi embora da cidade. Então vieram dois professores de fora, Pedro e Júnior. Eles ficaram na cidade uns dois anos, ali por 1986 e 1987”, afirmou. Todavia, Jéscica relatou que se apaixonou verdadeiramente pela dança com a professora Elisa Jane, “Ela era minha paixão, foi com ela que tive certeza que eu queria isso para a minha vida. Eu queria ser ela, eu queria fazer o que ela fazia, eu queria ser igual. E hoje, sou professora da afiliada dela”. Quando a professora Elisa Jane deixou a cidade, ela encaminhou Jéscica para Teresinha Wolf, que ajudou a pequena bailarina a continuar sua carreira na dança. “Foi aí que se encaixou minha história com a do professor Tadeu. Eu entrei na escola dele, e não saí nunca mais. Fiquei e me formei com ele”.
Jéscica Olbertz relata que antes de se tornar professora, foi solicitada para dar aulas, “A Futura Dance, há 23 anos, nasceu assim. Três mães de alunas me procuraram e conseguimos uma salinha onde dividíamos horários na Fundação de Cultura. Ficamos 6 meses lá e foi dando tão certo que meu pai precisou ceder o galpão dele para as aulas. E assim a gente foi evoluindo”, disse Jéscica, que já formou cerca de 15 alunos e alunas no curso do ballet clássico. Segundo ela, para concluir esse curso é necessária muita determinação. “Ninguém chega até o final sem determinação. Não é fácil, é um curso longo, que tem todo um estágio, um trabalho final, uma exigência”.
Jéscica também afirmou que o amor é essencial em sua metodologia, “eu procuro sempre ensinar com amor. Eu gosto muito de dar aulas para crianças, pois você olha para a criança e vê que ela está fazendo aquilo com amor. O ballet transmite isso, o amor”, falou.
Ela ainda disse que já houve mais apoio popular para a arte nas cidades de União da Vitória e Porto União, “Quando montamos a Futura Dance em 1998, até 2005, eu sentia até nas apresentações mais público, mais participação em eventos. Existia uma movimentação cultural bem grande na cidade. Eu lembro muito desse apoio em massa, as vezes as pessoas me ligavam para pedir que nos apresentássemos, mas já estávamos com a agenda cheia. Isso não acontece mais hoje. Aos pouquinhos, a colaboração da população com os artistas foi se perdendo”, concluiu Jéscica.
Samira Castilho, professora de ballet no Ballet Samira Castilhos
Samira Castilho é uma das ex-alunas de Tadeu que se tornou uma professora de ballet clássico e abriu seu próprio estúdio de dança. O Ballet Samira Castilhos, localizado na Rua Prudente de Morais, 116, Centro de Porto União, foi aberto recentemente, e já conta com diversas turmas de ballet e outras modalidades.
Samira relata que começou seus estudos no ballet em 2005, “O primeiro espetáculo em que dancei foi ‘O Lago dos Cisnes’, na escola do Professor Tadeu, com dois anos e pouquinho”, relatou. Ela relembrou que as viagens e apresentações foram extremamente marcantes em sua vida, “Mas a apresentação mais marcante que eu tive foi em 2017, na minha formatura, em Bela Adormecida, quando eu concluí o curso de ballet. Por mais que durante todos os anos houveram outras coisas marcantes, o que mais marcou foi minha formatura”, disse Samira, que interpretou Carabosse, a fada má, na ocasião.
Ela afirmou que, após realizar um estágio onde lecionou ballet, percebeu que havia gostado de dar aulas, “Mais tarde, em 2019, tive a oportunidade de dar outra modalidade do ballet e fui para ter uma experiência. Percebi que o ballet tem a ver com meu propósito e vi que queria fazer isso com a minha vida. Ensinar crianças, ensinar valores. Há muito tempo já tinha o sonho de ter uma escola de ballet, mas nesse ano de 2021, vagou esta sala aqui e pude abrir a escola. Mas é um sonho que está no meu coração desde criança”, comenta.
“Tanto as crianças quanto os adultos, quero que aqui dentro eles se sintam amados. Que eles venham aqui e tenham tempo para eles e tenham um tempo de lazer. Tornar as crianças boas cidadãs”, contou. Para Samira, o próximo passo para sua escola de ballet é expandir as turmas e consolidar a qualidade de seu ensino. “Meu sonho é que tenham turmas de manhã, tarde e noite. Que essa escola cresça e futuramente tenha escolas filiais e que seja uma referência de excelência. Meu sonho, além de crescer a escola na estrutura, é que olhem para cá e vejam um lugar que tem amor”, concluiu.
Fábio Bianchini, professor de ballet no Grupo Corpo e Dança
Fábio Bianchini foi mais um dos alunos de Tadeu a seguir a carreira de profissional da dança. “Comecei a estudar o ballet clássico em 2005, com a Jéscica, na Futura Dance”, relembrou, “Fiz cinco anos de ballet lá, então fui estudar com o Tadeu, fiz mais dois anos e me formei. Nessa época eu já estava dando aula”, disse. Fábio contou que seu sonho era ser um bailarino clássico profissional, “Só que meu porte físico não deixou. Mas quando eu fui me formar no ballet, meu foco já havia mudado, eu queria obter a formação para lecionar”.
Para Fábio, havia algo faltando na dança das Cidades Gêmeas: “Eu sentia falta de algo que não tinha aqui na cidade. Não tinha bailarinos que viajassem, que fossem competir fora. Eu assistia o Festival de Dança de Joinville e pensava ‘por que nós não estamos competindo em Joinville?’. Eu queria saber porque tinha gente famosa na dança e porque eu não podia ser. Então, eu acabei abrindo um grupo de danças bem pequeno num centro comunitário. Eram 4 meninas e eu, e foi acontecendo”, afirmou. Conforme o tempo passou, o projeto cresceu em número de modalidades e alunos e Fábio decidiu abrir um espaço próprio para acomodar sua escola. “De 20 alunos que eu tinha, com o espaço novo foi para 170. Uma sala comprida, bem pequena, lá no bairro São Pedro. Fique lá 3 anos, e então abri um barracão no bairro São Pedro, onde fiquei mais 4 anos. Neste local começou a consolidar e acontecer o trabalho. Teve um momento que eu entendi que eu não ia ser mais bailarino, que eu ia ser professor. Esse momento e aceitar isso é um momento bem difícil. Mas então eu percebi que meu lugar é como professor e coreógrafo. Quando eu decidi que não iria para o Bolshoi (renomada escola de ballet), eu decidi que eu iria mandar um aluno para o Bolshoi. Anos depois, consegui colocar um bailarino lá, que se formou e hoje é bailarino profissional em Londrina”, concluiu Fábio, que já formou 8 bailarinos no ballet clássico.
O slogan da escola de Fábio, Grupo Corpo e Dança, é “Construindo profissionais para a vida”. Sobre esse princípio, Fábio afirmou que “nosso propósito sempre foi construir profissionais para a vida, independentemente se você vai trabalhar com a dança, você vai ser um profissional de qualidade, com comprometimento, empatia, compreensão, sabendo trabalhar em equipe. Não é porque você não vai trabalhar com dança, que não vai ser um profissional de qualidade, da forma que a dança te ensinou. Meu propósito hoje é construir pessoas através da dança, para que tenham uma vida profissional de qualidade”, comentou.
O professor Fábio também e conhecido por ter levado a dança das cidades para fora da região em mais de uma ocasião, “A gente foi para Los Angeles em 2015, e eu fui para Nova York em 2018, na Broadway. Dentro do País, já fomos para vários lugares como Fortaleza; Tocantins; Rio de Janeiro; São Paulo e Rio Grande do Sul. A dança me possibilitou e possibilita aos meus bailarinos viver experiências que eles nunca viveriam se não fosse a dança”.
Segundo Fábio, “O poder público dificulta muito os projetos culturais. Quando falamos do município, eles estão muito abertos a ouvir, porém muito fechados a executar. A gente sabe que existe verba, mas os secretários e governantes não se esmeram em passar isso para frente”, disse ele, que ainda citou que muitos bailarinos não conhecem seus direitos e deixam de reivindicar apoio às artes.
Guilherme Nakalski, professor de ballet no Centro de Danças
Guilherme Nakalski é o atual professor de ballet clássico do Centro de Danças. Ele afirmou que começou seus estudos na modalidade no grupo Corpo e Dança, do professor Fábio Bianchini, “De começo, era mais um hobbie. Hoje já fazem dez anos que eu danço. Dou aula aqui e em Cruz Machado, já trabalhei em quase todas as escolas de dança da cidade. Foi uma coisa que foi tomando conta da minha vida”, disse. Ele conta como se tornou professor de ballet clássico, “sempre gostei muito do ballet clássico e de sua leveza. Eu comecei dando aula aqui na escola para uma turma e fui ganhando proporção. Também fui contratado para dançar com as alunas que se formavam e aos poucos, foi acontecendo. Não foi algo planejado e eu acho que isso é muito mais legal do que algo planejado, porque simplesmente aconteceu”, relatou.
Para ele, é necessário muito esforço para concluir o curso do ballet, “Tem que ter uma persistência, uma força de vontade muito grande. Como sou da área de educação física, sempre ajudo elas nessa área de dieta, de treinamento da força, para não ocasionar lesão. Estou pegando bastante nessa questão de preparação física”.
Segundo Guilherme, não existe uma previsão para a realização de novas apresentações, “Se ocorrer uma diminuição dos casos após a vacinação, faremos uma reunião com a Secretaria de Saúde para ver a possibilidade de realizar o espetáculo. Estamos com ele pronto, só estamos esperando a liberação do teatro para podermos apresentá-lo”, disse Guilherme, que formará seus primeiros alunos no ballet clássico nesse próximo espetáculo.
Se existisse um incentivo do poder público, que diferença o ballet poderia fazer na sociedade?
“Existe um projeto social no Tocantins, que se chama Ballet Popular do Tocantins. O diretor desse projeto é um grande amigo meu, tanto que eu fui lá dar aula nesse projeto. É bizarro como tantas pessoas são salvas de uma vida de renda muito baixa através das aulas de ballet clássico. A partir de um projeto social de ballet a pessoa consegue entender o valor que ela tem e buscar a validação dela na sociedade. Um projeto da Prefeitura que agregasse crianças, adultos e idosos e agregasse para elas o ballet clássico, traria todos esses benefícios que eu sequer consigo falar, porque é muita coisa. Com certeza um projeto, um apoio do poder público na nossa cidade, que é muito rica na dança, faria uma diferença absurda. Conseguiríamos tirar pessoas da periferia, trazer para esse mundo”, afirma Fábio Bianchini.