Esquecida pelo governo do Estado e vários políticos, a região do Planalto Norte, que após as eleições de 2018 ficou sem nenhum representante na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (ALESC), foi defendida muito bem pelo deputado estadual Ricardo Alba (PSL), que representa a região de Blumenau.
Após uma visita na região, ele pode conversar com autoridades e representantes da população para saber as necessidades da região. E apesar de sempre cobrar do governo do Estado mais atenção para a região, nenhum ‘representante” da região fez um discurso tão contundente como Alba fez há algumas semanas na tribuna da Alesc.
Alba se mostrou conhecedor da história da região que foi o palco da maior guerra civil do século XX no País, a Guerra do Contestado (veja a baixo).
Em seu discurso ele conta que passou pelas cidades de Rio Negrinho; Mafra; Major Vieira; Bela Vista do Toldo; Três Barras; Canoinhas e Porto União. “Fiz esse roteiro e digo aqui, uma região esquecida pelo governo do estado e não é de agora e não é uma crítica pontual a essa administração. É uma constatação histórica, o governo do estado não se faz presente no Planalto Norte. Qual a última vez em que o governador ou secretário de saúde ou secretário de educação ou de infraestrutura foi a Canoinhas foi à Mafra ou pisou em Porto União no Planalto Norte. Todos esses municípios com divisa no Paraná uma região abandonada pelo Governo do Estado. Em muitos municípios eu ouvi de vereadores e prefeitos – até que enfim um deputado na nossa região por que o governo do estado não aparece. Em Porto União uma bela cidade, de aproximadamente 35.000 habitantes que Santa Catarina lutou para ter na Guerra do Contestado. Travou uma guerra com Paraná, para que o município de Porto União fosse catarinense. E aí eu vou no município e o poder público fala que a energia elétrica é fornecida pela Copel do Paraná; o saneamento é da Sanepar do Paraná. Pelo amor de Deus quando é que o Estado de Santa Catarina vai botar os pés na Amplanorte (associação dos Município do Planalto Norte Catarinense) no Planalto Norte?”, questionou.
Alba lembrou que a maior reclamação em Porto União é com a energia elétrica que é da Celesc, que atende o interior e o distrito Industrial e é insuficiente “ou seja a Celesc tem que olhar para o Planalto Norte, tem que colocar uma subestação em Porto União para que as empresas possam se instalar e gerar empregos e a cidade possa ter energia de qualidade. Como é que a empresa vai se instalar, uma empresa de grande porte vai se instalar em Porto União se não tem fornecimento de energia de qualidade pela Celesc. Se faz urgente a revisão da infraestrutura de energia elétrica e a ampliação do fortalecimento e a criação de uma subestação de energia elétrica no Planalto Norte e digo aqui no município de Porto União, para que as empresas possam ter energia e se instalar e gerar emprego, riqueza e desenvolvimento”, cobrou.
O deputado de Blumenau também cobrou melhorias na malha rodoviária mais especificamente na SC-120 e 477. Segundo ele as estradas estão horríveis. “Tem que atravessar essa ponte e começar conhecer o Estado de Santa Catarina ir para o Planalto Norte e ver lá que existe no município de Porto União que existe o município de Bela Vista do Toldo, Major Vieira. Tem catarinense morando lá. No Contestado a gente lutou para ter aquela região, vamos lutar para o estado estar presente e levar serviço de qualidade. Então fica aqui o nosso apelo para uma subestação de energia elétrica no município de Porto União para fortalecer e ampliar a presença do estado de Santa Catarina na Amplanorte, porque lá existe vários municípios que gera riqueza e orgulho à Santa Catarina”, completou.
Este ano o fim da Guerra do Contestado completa 105 anos
Quando nos 100 anos do fim da Guerra do Contestado, o Senado Federal fez uma sessão especial para lembrar o acontecimento. O texto a seguir foi confeccionado na época, contando um pouco sobre a Guerra.
Adeodato Ramos havia passado boa parte do gelado inverno catarinense de 1916 embrenhado na mata, fugindo de seus perseguidores. Depois de uma noite de geada, o último líder rebelde da Guerra do Contestado estava exausto. Ao sair da mata e sentar-se à beira da estrada para se aquecer ao sol, foi flagrado por uma patrulha. O “temido facínora”, o “sanguinário chefe dos fanáticos”, o “flagelo de Deus”, como o descreviam os jornais da época, entregou-se sem nem sequer esboçar resistência.
A captura dele, na virada de julho para agosto, marcaria o fim da guerra, que se arrastou por quatro anos e transformou a região do Contestado (área disputada por Santa Catarina e Paraná) no palco da revolta mais sangrenta do século 20 no Brasil.
Os rebeldes chegaram a se espalhar por uma área equivalente ao tamanho de Alagoas. Entre 1912 e 1916, eles enfrentaram as forças policiais e militares dos dois estados e do Exército. Os insurgentes eram movidos por motivos que iam do messianismo à luta pela terra. Eram contra o poder público e os coronéis locais. Reagiam ao impacto da construção de uma estrada de ferro, que os expulsou da terra onde viviam.
Estima-se que pelo menos 10 mil pessoas pereceram na região do Contestado, tanto nos combates quanto de fome e de doenças como o tifo, que se alastrou pelas “cidades santas” erguidas pelos revoltosos. Entre os mortos, milhares de mulheres e crianças.
A guerra mobilizou metade do efetivo do Exército: mais de 7 mil soldados, nos momentos de luta mais intensa.
Messianismo
A indefinição dos limites territoriais entre Santa Catarina e Paraná vinha desde o Império, e até a Argentina pleiteava a posse de áreas dos dois estados. O Supremo Tribunal Federal deu ganho de causa aos catarinenses em 1904 e reafirmou sua decisão nos anos seguintes, mas a sentença era ignorada pelo governo paranaense. Nesse cenário de conflito, a revolta prosperou.
A guerra começou pequena, com um grupo reduzido de sertanejos (moradores desses campos do Sul, chamados de sertão na época) que em 1912 reuniu-se em torno de um curandeiro. José Maria seguia a tradição de outros dois curandeiros que haviam passado por lá anos antes e eram considerados “monges” pelos sertanejos. Ele também fazia profecias: anunciava uma monarquia celestial em que todos viveriam em comunhão, dividindo bens.
Dos seguidores do novo monge, muitos eram posseiros, sitiantes e pequenos lavradores que haviam sido expulsos das terras em que viviam pelo grupo americano responsável pela construção da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, do megaempresário Percival Farquhar.
Além da concessão, Farquhar ganhou do governo brasileiro as terras situadas às margens da ferrovia, uma vasta faixa de 15 quilômetros de cada lado.
Depois da construção da estrada de ferro, a região, coberta de matas de árvores nobres como a araucária, começou a ser desmatada. O empresário ergueu lá a maior madeireira da América do Sul na época e uma companhia colonizadora que, depois do desmate, venderia as terras a imigrantes europeus. Famílias que viviam no local foram expulsas por milícias armadas da empresa, com apoio das autoridades brasileiras.
Primeira batalha
O monge José Maria e os fiéis se instalaram em Taquaruçu, nos arredores de Curitibanos (SC). Temendo que o grupo fosse usado por inimigos políticos, um poderoso coronel da cidade pediu ao governo catarinense tropas para dispersar um “ajuntamento de fanáticos” que supostamente queria proclamar a Monarquia no Sul do Brasil.
Ao saber que a força policial havia sido chamada, os fiéis fugiram para Irani (SC), localidade que na época estava na área do Contestado.
A chegada do grupo foi vista pelo Paraná como uma investida de Santa Catarina para forçar a posse do território contestado. Em resposta, o Paraná enviou um destacamento policial para expulsar os supostos invasores. Em outubro de 1912, a ação terminou de forma trágica, com 21 mortos. Entre eles, o monge José Maria e o comandante das forças de segurança do Paraná, coronel João Gualberto.
Documentos históricos guardados no Arquivo do Senado mostram a reação dos senadores ao conflito. Dois dias depois da batalha, a morte do comandante foi anunciada no Plenário do Senado, sediado no Palácio Conde dos Arcos, no Rio.
O senador paranaense Generoso Marques falou aos colegas sobre a “horda de bandidos e fanáticos” que havia invadido o Paraná e leu um telegrama enviado pelo governador do Paraná, Carlos Cavalcanti, ao Congresso. O governador comunicava que o estado havia pedido ao presidente da República, Hermes da Fonseca, a intervenção de forças federais.
O senador catarinense Abdon Batista apoiou o colega: — Esse acontecimento, ao mesmo tempo em que nos cobre de pesado luto, nos anima e nos incita na obrigação de secundar as forças do estado vizinho para que, de uma vez, sejam extirpados os elementos maus que procuram perturbar nossa vida de trabalho e progresso.
Ao longo do conflito, os dois estados trocariam acusações de incentivar os revoltosos e até de fornecer-lhes armas.
Exército encantado
Depois da morte do monge, os devotos se dispersaram. O messianismo, porém, permaneceu. No ano seguinte, difundiu-se a crença de que José Maria voltaria do céu, acompanhado do “Exército Encantado de São Sebastião”. Uma criança de 11 anos dizia ver o monge em sonhos pedindo aos fiéis que se preparassem para uma guerra santa. O grupo rebelde voltou a se reunir em Taquaruçu.
Agora não eram apenas os antigos seguidores do monge José Maria que se prepararam para a luta. Somaram-se a eles descontentes em geral: mais colonos expulsos, fazendeiros que se opunham aos coronéis, tropeiros sem trabalho, desempregados da obra da ferrovia e até ex-combatentes da Revolução Federalista (1893–1895), que tinham experiência com armas e contestavam a República.
“Novo Canudos”
Na época, porém, a visão predominante na imprensa, refletida no Congresso Nacional, ignorava os problemas que motivaram a insurreição sertaneja. Em setembro de 1914, o senador Abdon Batista desqualificou no Plenário denúncias do deputado federal Maurício de Lacerda, do Rio de Janeiro, que afirmava que a usurpação de terras era a principal causa do conflito: — É uma lenda. Essa gente não tem terras nessas zonas, o que querem é viver sem trabalhar.
Uma das poucas vozes dissonantes no Congresso, Lacerda disse à imprensa que o Contestado era “um novo Canudos” e defendia os revoltosos, “brasileiros donos de suas terras e que foram usurpados por uma empresa estrangeira”.
— As vítimas, como era natural, defenderam-se. O que se devia esperar? Que o Estado fosse em socorro daqueles homens, mas verificou-se o contrário — declarou aos jornalistas.
O deputado denunciava que dois influentes políticos paranaenses, “protetores da empresa estrangeira que havia se apoderado à força das terras dos sertanejos”, conseguiram que o governo mandasse forças para “defender os ladrões e matar brasileiros que licitamente defendiam suas propriedades”. Esses políticos eram o senador Alencar Guimarães (que havia governado o Paraná) e o vice-governador Affonso Camargo.
Guimarães defendeu-se no Plenário do Senado. — Nunca fui homem de negócios, jamais advoguei interesses de qualquer companhia nacional ou estrangeira que colidissem com interesse do Estado.
Acordo de limites
Com a captura de Adeodato Ramos, o último e mais temido líder dos rebelados, a guerra foi encerrada de vez, naquele inverno de 1916. Logo em seguida, em outubro, finalmente veio a assinatura do acordo de limites entre Santa Catarina e Paraná. Pressionados pelo presidente Wenceslau Braz, cada um dos dois estados teve que ceder um pouco. A partilha, porém, foi vista como favorável aos catarinenses, que ficaram com 28 mil dos 48 mil quilômetros quadrados da área contestada.
Na assinatura do acordo, no Palácio do Catete, no Rio, o governador de Santa Catarina, Felipe Schmidt, comemorou a paz, encerrando um “passado amargo” que fazia os dois estados se olharem com desconfiança, como “dois povos estranhos que aguardassem, de arma em punho, a hora da peleja”.
O governador do Paraná, Affonso Camargo, também exaltou a paz, mas deixou claro o ressentimento com um desfecho que considerava injusto. Ele justificou sua decisão de assinar o acordo mesmo assim citando a necessidade urgente de encerrar uma “luta fratricida sem precedentes”: — Ali caíram sem vida oficiais do Exército, bravos soldados das forças nacionais e estaduais e milhares de sertanejos, na sua maioria laboriosos, em uma confusão desumana que dolorosamente impressionou todo o país.
Ao citar os sertanejos “em sua maioria laboriosos”, o governador reconhecia que o movimento, hoje visto como uma das maiores revoltas camponesas do Brasil, era mais que uma combinação de fanatismo e banditismo.
Essa consciência se ampliaria a partir dos anos 1970, explica o historiador Paulo Pinheiro Machado. Com a redemocratização do país, criou-se um ambiente favorável para a retomada da memória e dos estudos sobre a Guerra do Contestado.
No Senado, essa releitura histórica ficou patente numa sessão especial realizada em agosto de 2009 para lembrar a guerra. No Plenário, os senadores ressaltaram o caráter de revolta social do movimento, as injustiças cometidas contra a população pobre do Contestado e a ausência do Estado.
“Quando o Estado falta, não cumpre com seu dever, se omite, o resultado é este: as pessoas reagem”, disse á época o senador Raimundo Colombo, que governou Santa Catarina anos mais tarde. O senador Flavio Arns, do Paraná, afirmou que o governo desconsiderou uma população pobre para privilegiar empresários e fazendeiros.
Na época da guerra, uma rara visão lúcida do conflito veio justamente de um comandante do Exército, o jovem capitão Mattos Costa. Idealista, ele defendia uma solução pacífica e morreu em combate, em 1914. Ficou registrada em relatos militares sua concepção da guerra:
“A revolta do Contestado é apenas uma insurreição de sertanejos espoliados nas suas terras, nos seus direitos e na sua segurança. A questão do Contestado se desfaz com um pouco de instrução e o suficiente de justiça, como um duplo produto que ela é da violência que revolta e da ignorância que não sabe outro meio de defender o seu direito”. Adeodato foi morto em 1923, numa suposta tentativa de fuga da prisão. (Fonte: Agência Senado)