Toda tragédia carrega em si suas anomalias ou assombrações. E em tempo de tragédia coletiva sempre aparecem os profetas do caos e seu discurso de castigo divino. Neste artigo, compartilharei ideias publicadas no site da Unisinos, através de um apanhado de entrevistas com historiador, teólogo e critico literário. A intenção é compreender com maior amplitude a conjuntura atual do mundo contemporâneo.
Para o Jesuíta Espanhol, José Luis Caravias se pergunta: A oração serve a essa catástrofe mundial? E responde: “Sim, claro, mas esclarecendo a que Deus estamos nos dirigindo. Antes de tudo, temos que rejeitar a ideia de que é um castigo de Deus , ao qual devemos implorar para ter piedade de nós e parar de nos punir. É isso que vários padres e movimentos religiosos fundamentalistas pregam. Essas pessoas ficaram presas no Antigo Testamento. Eles não alcançaram o Deus de Jesus, a mais alta expressão de misericórdia. O Deus de Jesus é sempre inteiramente bom, incapaz de desencadear punições cruéis”, disse.
Por isso é importante não romantizar a Oração e a Fé em tempo de tragédia mundial. Já que Deus não é todo-poderoso fora dos domínios do amor. Ele não pode fazer mal a ninguém. E essa pandemia é terrível para muitas pessoas. Deus não provoca Pandemias. Isso é impossível porque Deus é amor, e a Covid-19 não tem nada de amor. Ele é cruel e cego. A maturidade da Fé e da Oração é fundamental para não ser arrastado por pregadores perversos e oportunistas.
Toda tragédia sempre leva o ser humano a pensar em Deus. Seja ele como criador misericordioso ou punidor cruel. Para o Historiador Francisco Martínez Hoyos, “Apesar da modernidade do nosso mundo hiperconectado, a humanidade continua sendo muito, muito frágil. E medos nos assombram como sempre”, afirmou.
Hoje, como no passado, não faltam as teorias conspiratórias e apocalípticas que leva a pensar a muitos a iminência de um fim do mundo. O que a obra ‘A Peste’ de Albert Camus, pode nos ensinar neste contexto? Entre muitos ensinamentos, uma é evidente em nossos dias: “Que as piores epidemias não são biológicas, mas morais. Em situações de crise, vem à luz o pior da sociedade: falta de solidariedade, egoísmo, imaturidade, irracionalidade. Mas também emerge o melhor. Sempre existem pessoas justas que sacrificam seu bem-estar para cuidar dos outros”, destacou Hoyos.
Para o Escritor e crítico literário Rafael Narbona: “Camus nos cede a palavra, convidando-nos ao recolhimento. Quem não sabe ficar sozinho desconhece o que é a verdadeira liberdade. Devemos buscar o outro por anseio de fraternidade, não para fugir de nossos medos. Não se deve lamentar o isolamento imposto pelas autoridades. É uma boa oportunidade para explorar nossa intimidade e buscar um sentido à vida”, ressaltou.
A Covid-d19 ou coronavírus, esta levando ao homem contemporâneo a trafegar num mundo incomodo, num mundo em que o Super-Homem do século XXI acreditava ser intocável é inatingível, sem planejamento caiu do seu pedestal e olhou-se no próprio espelho da insignificância, isto exige do Super-Homem lembrar que a morte e a doença toca na porta da humanidade sem prévio aviso. A doença sempre está aí, mas, o Super-Homem pensa que só diz respeito aos outros. Agora é assunto de todos. Nosso sino de vidro quebrou. Não somos invulneráveis. Somos parte do todo e não fragmentados. E o grito de dor e desespero ecoo-a no reino humano. E ainda atingira os incrédulos que os desafiam todos os dias nas ruas da nossa cidade, dos nossos bairros. O vírus invisível viaja no túnel do tempo das suas próprias vitimas deixando um rastro de caos, medo e terror.
O ser humano contemporâneo terá que aprender uma lição importante a duras batalhas, esta lição, consiste em que o Tempo não se adapta a nós. Somos nós que devemos aprender a experimentá-lo em toda a sua plenitude. O Tempo é a argila da qual somos feitos. Não podemos permitir que passe em vão, sem produzir frutos. Não é possível voltar atrás. O Tempo perdido é irrecuperável. A expectativa da doença e a morte nos colocam diante das questões fundamentais que costumamos evitar ou postergar. O Super-Homem inevitavelmente deverá enfrentar-se com seus próprios medos. Uma lição importante porem precisamos aprender: Não, o culpado da atual pandemia e daquelas que virão depois, não é Deus, mas o terrível egoísmo de alguns. Consentido e lisonjeado por nossas ignorâncias, nossa desunião e nossas irresponsabilidades. Se nós, humanos, insistimos em fazer bobagens (sair na rua sem mascaras, acreditar em na não existência do vírus) ele (Deus) não nos impede: ele nos respeita, ainda que o resultado seja a dor e a morte…
Segundo J. L. Caravias: “Deus criou, lhe dando autonomia, um maravilhoso Universo em evolução, de acordo com as energias programadas que ele mesmo lhe deu. O Criador é um engenheiro tão grande que ele não precisa dar novas ordens o tempo todo para que sua Criação continue trabalhando. O mundo é sabiamente automático, relativamente autônomo. Portanto, é absurdo pedir a Deus que coloque sua mão na natureza e mude por um momento algumas de suas forças motrizes. Que as placas tectônicas colidem umas com as outras e causem um terremoto é normal, e seria inconsistente pedir a Deus que minha casa, que fica na área, não seja danificada. O mesmo absurdo é esperar que o coronavírus não me toque, porque confio em Deus… Se eu tocar em áreas infectadas, também serei infectado, não importa quanta fé eu presuma ter!”, disse.
O cristianismo precisa aprender de vez que Deus não é um mágico; não cura por magia. Ele não é surdo, nem vive isolado; não é necessário inflá-lo para que ele cuide de nós. Não é de forma alguma cruel. Crer que essa pandemia foi enviada por Deus para nos punir ou nos corrigir é promover o ateísmo, esse Deus não existe.
Voltando a nossa pergunta inicial: Para que serve então a Fé e a Oração em Deus em tempo de Pandemias? J. L. Caravias nos ajuda a responder: “Deus não mata coronavírus, mas pode-nos ajudar a superar sua invasão. A fé em Deus nos torna conscientes e solidários. Isso nos faz respeitar a natureza. Acaba como medo e o desânimo. Ilumina a mente dos cientistas para que eles possam desenvolver vacinas eficazes. Fortalece “o pessoal que veste branco” para permanecer de pé, superando o cansaço e o desânimo; e ilumina-os para que sua atenção seja eficaz. Dá esperança e energia aos doentes e suas famílias. E para aqueles que perderam entes queridos, a fé os conforta ao aceitar que Deus recebe seus mortos e lhes dá a plenitude de seu ser”, afirmou.
Essa pandemia exige que todos repensemos a maneira como habitamos na Casa Comum, a mãe Terra; a maneira como produzimos; consumimos e nos relacionamos uns com os outros e com a Natureza. Ou nos sentimos humanos, iguais, na mesma Casa Comum, ou todos vamos afundar. A ignorância e a estupidez humana que somente olha para o lado material da existência são as piores de todas as opções. A naturalização da morte (do outro) é a face mais perversa de alguns “humanos” que esse vírus revela na contemporaneidade.