Antônio da Conceição Marques e Wanda de Lourdes Marques pais de João Felipe Marques. A Vara da Infância e da Juventude do DF esclarece dúvidas e presta informações no Dia Nacional da Adoção (Antonio Cruz/Agência Brasil)

Com responsabilidade, o caminho da adoção pode ser mais simples do que parece, afirma promotor

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A conta não fecha: para cada seis ou sete casais, existe apenas uma criança para adoção. O entrave está no perfil, mais especificamente a idade. “A maioria dos casais e pessoas habilitadas tem preferência pelos bebês. Próximas dos oito, nove anos de idade, as crianças ainda são adotadas, mas a partir disso, fica bem mais difícil. E é um direito das pessoas poder optar. É uma questão cultural no Brasil, no Paraná. Mas adotar vai além. Passa por um querer genuíno. Partindo desse ponto, se torna mais simples entender e percorrer esse caminho”, conta o promotor David Kerber de Aguiar, que atua na 2ª Promotoria de Justiça de Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba, convidado do programa Assembleia Entrevista desta semana, que trata do processo de adoção no Brasil.  O programa vai ao ar hoje, 15, a partir das 11 horas pela TV Assembleia.

Mesmo esse “caminho” sendo desafiador, o promotor abordou o tema e orientou com delicadeza o espectador que tem interesse em adotar.  “Ouço as pessoas dizerem que querem adotar um bebê para viver uma primeira história com ele.  No entanto, quem disse que não é possível viver isso com uma criança maior, proporcionando a ela o primeiro aniversário ou a primeira viagem? O mesmo vale para ‘quero ter um bebê pequeno, porque dá menos trabalho’. Quem tem um recém-nascido sabe que isso não é verdade. A idade não pode ser um fator decisivo para aqueles que pretendem adotar com o desejo de serem pais e mães; e o nosso papel é estimular a adoção tardia para que as crianças possam deixar o acolhimento e fazer parte de uma família de verdade”, disse.

De acordo com o promotor, o primeiro passo para adotar é buscar uma Vara da Infância e Juventude local para entrar com um pedido simples. Sem custas, sem advogado. “Claro que será necessário fazer exames médicos, avaliação psicológica e social, e passar por um curso, uma aprendizagem mesmo. Acho que todos os pais, sejam biológicos ou do coração, deveriam passar por este curso”, indica.  Em seguida, as informações são encaminhadas ao Ministério Público. Assim que a habilitação for homologada, a pessoa ou o casal entram no Sistema Nacional de Adoção. Assim, com o perfil desejado é que o Sistema vai promover o encontro entre a criança apta e o candidato a adotante.

Para Aguiar, a legislação em torno do tema é satisfatória. Prevê, por exemplo, que se conclua uma ação de destituição de pátrio poder num prazo de 120 dias, razoável considerando a delicadeza do assunto. “O mesmo vale para o processo de reintegrar uma criança à família de origem, afinal, não se pode tirar uma criança da sua família de uma hora para outra, antes de tentar todas as formas de conciliação”. As leis também preveem que o adotante seja maior de idade e tenha uma diferença de 16 anos do adotado. A regra é ainda não separar irmãos. A preferência é para a adoção conjunta. Mas há exceções. Se houver violência entre os irmãos. Eles não podem, nesse caso, estar juntos. O que é necessário, na visão do especialista, é a conscientização com relação aos perfis.

Outros temas que envolvem a adoção também foram abordados ao longo do programa que vai ao ar. Por exemplo, os critérios para as visitas nas casas de acolhimento, previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); tudo que gira em torno da adoção após os pais levarem os filhos para casa e os programas de apadrinhamento. Nesse caso, as pessoas também precisam estar habilitadas na Vara da Infância. “Esse sistema é muito bom, porque proporciona uma convivência familiar para as crianças e adolescentes, que, infelizmente não tiveram acesso a um contato familiar. O apadrinhamento afetivo ensina também sobre o desligamento das pessoas das vidas umas das outras de forma madura. Outro meio de apadrinhamento é que as pessoas devidamente habilitadas promovam atividades dentro das casas de acolhimento. Muitos querem ajudar financeiramente. É papel do Estado, mas nada impede essa forma de ajuda, dentro das regras”, informou David. “Quem participa do programa de apadrinhamento afetivo, em tese, não está habilitado para o Sistema Nacional de Adoção. Na prática, quem vai para o programa é justamente quem não tem casais ou pessoas interessadas na adoção. Por isso, é possível estudar, caso surja um desejo de adotar nesses padrinhos”, completa.

Estar inserido nesse processo não é uma tarefa fácil, já que se lida diariamente com a violação de direitos pela qual passaram e passam as crianças e adolescentes. “Para tentar minimizar a situação de tantos não adotados, a própria justiça promove ações para aproximar e sensibilizar os casais e os possíveis adotantes. E quando há desfechos positivos, percebemos quanto a convivência transforma. Há uma simbiose a ponto da criança e os pais apresentarem semelhanças até mesmo na aparência, com o passar do tempo. E isso é motivador para quem atua nesse processo”, finaliza.

 

Números do Paraná

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, são 3.751 crianças e adolescentes acolhidos no estado, com poder familiar já destituído, e 33.046 famílias habilitadas à adoção. A discrepância de um número para o outro se dá justamente pelos fatores abordados na entrevista. Entre as 3.751 crianças, mais de 2,6 mil têm mais de oito anos, apenas 279 têm até dois anos e 742 são adolescentes.

Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) disponibilizou no início do mês uma ferramenta que possibilita o aumento das chances de crianças e adolescentes serem adotados.

Por meio da busca ativa no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), cerca de 32 mil pretendentes habilitados pela Justiça podem acessar fotos e vídeos de crianças que estão em abrigos à espera de acolhimento por uma família.

A busca é feita a partir de autorização judicial e ainda depende da vontade da criança e do adolescente. Segundo o CNJ, o material visual é identificado por marca d’água com informações pessoais para evitar o uso inadequado das imagens. Cerca de 200 crianças foram inseridas pelas varas da infância no cadastro.

Conforme dados do CNJ, desde 2019, o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento foi responsável por 12,4 mil adoções. De janeiro e agosto de 2022, foram realizadas cerca de 2 mil adoções por meio da plataforma.

O SNA foi criado em 2019 e nasceu da união do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) e do Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas (CNCA). O Comitê Gestor dos Cadastros Nacionais (CGCN), instituído pela Portaria Conjunta 01/2018 do CNJ, com o objetivo de subsidiar a elaboração e o monitoramento de políticas judiciárias, é o responsável pela gestão do SNA. O sistema é regulamentado por meio da Resolução n. 289/2019 deste Conselho.

 

O novo sistema abrange milhares de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, com uma visão global da criança, focada na doutrina da proteção integral prevista na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). Os maiores beneficiários do SNA são as crianças e adolescentes em acolhimento familiar e institucional, que aguardam o retorno à família de origem ou a sua adoção.

O SNA possui um inédito sistema de alertas, com o qual os juízes e as corregedorias podem acompanhar todos os prazos referentes às crianças e adolescentes acolhidos e em processo de adoção, bem como de pretendentes. Com isso, há maior celeridade na resolução dos casos e maior controle dos processos, sempre no cumprimento da missão constitucional do Conselho Nacional de Justiça.

Além das descrições, os pretendentes poderão verificar fotos e vídeos das crianças e adolescentes. A ideia da busca ativa é possibilitar o encontro entre pretendentes habilitados e as crianças aptas à adoção que tiverem esgotadas todas as possibilidades de buscas nacionais e internacionais de famílias compatíveis com seu perfil no SNA.

O presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luiz Fux, destacou que a disponibilização das informações será sempre precedida de autorização judicial e de manifestação de interesse do adolescente ou da criança, quando forem capazes de autorizar a utilização de dados e imagem. “Com a busca ativa nacional, o CNJ promoverá mais uma política de proteção às crianças e adolescentes, em especial àqueles que não têm garantido seu direito à uma família.”

A implementação da ferramenta foi dividida em duas etapas: a primeira delas – concretizada em maio deste ano – permitiu que as unidades judiciárias indiquem as crianças e adolescentes que estão disponíveis para busca ativa, com a possibilidade de inclusão de fotos e vídeos. Na segunda etapa, que inicia agora, essas informações serão disponibilizadas aos pretendentes, com acesso restrito.

A busca ativa a partir do SNA se soma a iniciativas já adotadas por alguns tribunais no esforço de unir as crianças às novas famílias. Para a pesquisadora do Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ e gestora negocial do SNA, Isabely Mota, a nova fase do projeto é uma “oportunidade para que mais de duas mil crianças que não conseguem ser vinculadas pelos sistemas – por serem mais velhas, com doenças, deficientes ou grupos de irmãos – conseguirem uma família”. Desde maio, cerca de 200 crianças e adolescentes foram indicadas pelas Varas de Infância e Juventude para a Busca Ativa.

O presidente do Fórum Nacional da Infância e da Juventude (Foninj) e conselheiro do CNJ Richard Pae Kim destacou que a funcionalidade deve garantir a preservação da identidade e da imagem das crianças e adolescentes, com a apresentação apenas do prenome, idade e estado do acolhimento. Apenas os pretendentes devidamente habilitados terão acesso à busca ativa.

Para ampliar as chances de adoção, a busca pelo SNA continuará a ser feita, enquanto não for realizada a vinculação por busca ativa. “Com a possibilidade de acessar as informações das crianças, os pretendentes podem ser sensibilizados pelos sonhos dos meninos e meninas que aguardam por uma família. O objetivo é aproximar a vontade dos pretendentes pela paternidade ao desejo das crianças de fazerem parte de uma família que as acolha”, afirmou Pae Kim.

 

Além disso, todo o material visual é acompanhado por marca d’água com as informações do nome e CPF das pessoas que realizam a consulta, o que evita a divulgação indevida de dados. Cabe à equipe técnica do serviço de acolhimento, em articulação com a rede protetiva e a equipe técnica judiciária, realizar o trabalho psicossocial de preparação da criança ou do adolescente para sua disponibilização por meio da busca ativa.

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