Inicio da segunda parte da sessão de hoje (23) para julgamento sobre a validade da prisão em segunda instância do Supremo Tribunal Federal (STF).

Prisão em segunda instância volta a ser julgado pelo STF

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O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) prosseguiu na sessão de quinta-feira, 24, o julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) 43, 44 e 54, nas quais se discute a possibilidade de iniciar o cumprimento da pena antes de serem esgotadas todas as possibilidades de recurso (trânsito em julgado). Até o momento, três ministros – Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Roberto Barroso – consideram que o início da execução da pena após decisão de segunda instância é constitucional. O relator das ações, ministro Marco Aurélio, entende que essa possibilidade ofende o princípio constitucional da presunção de inocência. A análise foi retomada ontem com o voto da ministra Rosa Weber que deu o segundo voto contra a prisão após condenação em segunda instância.

As ações foram ajuizadas pelo Partido Ecológico Nacional (PEN, atual Patriota), pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB). O objeto é o exame da constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP), que prevê, entre as condições para a prisão, o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Relator

Na sessão da manhã de quarta-feira, 23, o ministro Marco Aurélio votou pela constitucionalidade do dispositivo do CPP e, como consequência, pela suspensão da execução provisória de penas que tenham sido determinadas antes do trânsito em julgado, com a libertação dos que tenham sido presos após o julgamento de apelação.

Para o ministro Alexandre de Moraes, que abriu a divergência, uma decisão condenatória de segunda instância fundamentada, que tenha observado o devido processo legal, afasta o princípio constitucional da presunção de inocência e autoriza a execução da pena. O ministro considera que o juízo natural para a análise da culpabilidade do acusado são as chamadas instâncias ordinárias (primeiro e segundo graus), a quem compete o exame dos fatos e das provas.

Ele frisou a necessidade de dar efetividade à atuação dessas instâncias e argumentou que, em caso de eventual ilegalidade ou inconstitucionalidade, existe a possibilidade de concessão de habeas corpus ou de medida cautelar para que o sentenciado aguarde em liberdade o exame da questão pelos tribunais superiores. “Ignorar a possibilidade de execução de decisão condenatória de segundo grau, fundamentada e dada com respeito ao devido processo legal e ao princípio da presunção de inocência, é enfraquecer as instâncias ordinárias”, afirmou.

Para o ministro Edson Fachin, é coerente com a Constituição Federal o início da execução da penal quando houver confirmação da condenação em segundo grau de jurisdição, salvo quando for expressamente atribuído efeito suspensivo ao recurso cabível. No seu entendimento, a possibilidade não afasta a vigência plena das garantias relacionadas ao princípio constitucional da presunção de inocência. “É inviável sustentar que toda e qualquer prisão só pode ter seu cumprimento iniciado quando o último recurso da última corte constitucional tenha sido examinado”, ressaltou.

O ministro afirmou não desconsiderar que o atual sistema prisional brasileiro “constitui um verdadeiro estado de coisas inconstitucional”, mas observou que essa inconstitucionalidade não diz respeito apenas à prisão para o cumprimento da sentença, mas a toda e qualquer modalidade de encarceramento. Ressaltou ainda que a jurisprudência da Corte Interamericana e da Corte Europeia considera delimitado o alcance da presunção de inocência.

O advogado e conselheiro da Subseção da OAB de Porto União, Coordenador Regional do Planalto Norte da Caixa de Assistência dos Advogados de Santa Catarina (CAASC); Professor de Ciências do Estado do Paraná, Luiz Ernani da Silva Filho, comenta o novo julgamento sobre a prisão em segunda instância. “Em nossa Constituição Federal temos uma cláusula pétrea que diz: Ninguém será considerado culpado até decisão transitado em julgado. O que garante esse princípio são os incisos LIV, LVII e LXI, do artigo 5º”, explica.

Ele acrescenta ainda “Isto quer dizer que, até que se esgotem todos os possíveis recursos, ninguém deverá começar a cumprir pena, após a condenação em segunda instância, tendo em vista que existem outras instâncias que se pode recorrer e, nelas, comprovar sua inocência”, continua.

De acordo com ele uma cláusula pétrea é artigo da nossa Constituição Federal que não se mexe sem um projeto de emenda à constituição, portanto, deve ser obedecida e não questionada. Serve para garantir direitos fundamentais. “É claro que se pode não concordar com a mesma, mas para não cumpri-la, tem que obedecer ao processo legislativo, isto é, mudando a Lei e não dando interpretação ao interesse de grupos políticos. Caso queiram mudar a constituição devem obedecer o artigo 60, desta Carta”, fala.

Para ele o julgamento no STF é, sem sombra de dúvida, político. “Foi contaminado por preconceito e hipocrisia. Explico. Não se deveria estar discutindo se pode ou não iniciar a pena após condenação em segunda instância. A constituição diz que não, então não deve. Porém, isto está acontecendo indevidamente, somente com intuito político e, infelizmente, quem deveria guardar e proteger nossa constituição,  determinando o seu cumprimento, deixou-se manchar pelo preconceito e hipocrisia. Está a serviço de grupos políticos que procuram criar uma situação de desestabilização e insegurança jurídica em nosso País”, acredita.

Ernani comenta que os fundamentos utilizados pelos favoráveis ao cumprimento após segunda instância, não encontram embasamento na legislação, “mas no clamor de parte da sociedade que não tem conhecimento nenhum em legislação e se baseiam em notícias mentiras (fake news), tal como o Ministro Barroso que utilizou uma notícia mentirosa, quanto à redução do número de encarceramento no Brasil. É um voto apelativo com viés de populismo e com fundamentos mentirosos, sem qualquer base estatística”, comenta.

            Para rebater o argumento usado pelo Ministro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com dados do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões, de agosto de 2018, assegura que 148 mil pessoas estavam presas em “execução provisória” da pena. Caso o STF proibir a antecipação da pena, antes do transito em julgado, poderia beneficiar somente 4,9 mil presos.

Prisão de Lula

Para ele é clara a contaminação da prisão do ex-Presidente Lula no julgamento, pois o tema somente tomou conta da mídia após sua prisão. “A sociedade tem que entender que o que se discute no STF, não é somente a prisão do ex-Presidente Lula, mas o direito de todo cidadão a um julgamento dentro dos ditames legais, sem qualquer insegurança jurídica e livre de qualquer preconceito social, econômico, político e ideológico”, acredita.

O advogado finaliza comentando a questão de intervir nos julgamentos com emoção. “Mágoas e pessoalidades não podem intervir em julgamentos judiciais. Deve-se seguir a lei e somente esta. Está se julgando a vida de milhares de brasileiros, devemos lembrar que o sistema não é perfeito e podemos manter presos pessoas inocentes, como já se comprovou no percurso da história jurídica de nosso País”, finaliza.

Entenda

O entendimento atual do Supremo permite a prisão após condenação em segunda instância, mesmo que ainda seja possível recorrer a instâncias superiores.

Três ADCs – abertas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelos partidos PCdoB e antigo PEN, atual Patriota – buscam mudar tal entendimento, para que o cumprimento de pena somente seja permitido após o trânsito em julgado, quando não há mais possibilidade de recursos no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou no próprio Supremo.

A questão divide a Corte, onde foi discutida ao menos quatro vezes desde 2016. Naquele ano, o plenário decidiu em caráter liminar (provisório), por 6 votos a 5, nas próprias ADCs hoje julgadas no mérito, que a prisão em segunda instância poderia ocorrer. De 2009 a 2016, entretanto, prevaleceu o entendimento contrário, no sentido de que a sentença só poderia ser executada após o Supremo julgar os últimos recursos.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), uma nova mudança de entendimento em favor do trânsito em julgado pode ter impacto na situação de cerca de 4,9 mil presos que tiveram mandado de prisão expedido pela segunda instância.

Entre os possíveis beneficiados, estão condenados na Operação Lava Jato, incluindo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso desde 7 de abril do ano passado na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, após ter sua condenação por corrupção e lavagem de dinheiro confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), no caso do tríplex do Guarujá (SP).

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