O Homem Deus é uma fantasia perdida

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Quando foi que o Homem se tornou Deus de si mesmo? Quem foi o criador tão irreverente que foi capaz de destronar o Deus criador de todas as coisas? Ainda, hoje, em plena Pandemia da Covid-19 é possível falar de um Homem Deus todo poderoso? É sobre esses questionamentos, que neste artigo, nos debruçaremos de forma resumida. Agora, neste tempo de caos e de mais 50 mil vítimas contabilizados em consequência da Covid-19 é importante refletir sobre a imensa finitude em que estamos submergidos. Boa leitura a todos!

O Homo Deus é uma fantasia perdida”, é o titulo deuma entrevista concedida para a IHU (http://www.ihu.unisinos.br/) do teólogo e filosofo José Antonio Perez Tapias, decano da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Granada, na Espanha. O decano, ressalta, que a crise gerada pela Covid-19, abre novas formas de pensar a natureza humana: “Em definitivo, o comum se assenta em uma natureza humana comum, base ontológica para abordar objetivos políticos de igualdade social e de gênero e exigências morais de igualdade de tratamento. Sem a convicção de que todos somos igualmente humanos, isto é, que não há humanos que sejam mais humanos do que outros, os objetivos de igualdade não se sustentam. Insisto nisso porque considero tal ponto uma base imprescindível para levantar – e não se trata de fazê-lo incorrendo em falácia naturalista alguma – o reconhecimento igualitário de direitos”, justifica.

Tapias, mostra-se, assim, incrédulo perante a noção e a possibilidade de uma solidariedade maior, pós pandemia. De acordo com o filósofo, a solidariedade, tão em voga na crise atual, também precisa ser repensada a partir da noção de “comum” e da ideia de “fraternidade”, “Apelamos muito à solidariedade, mas esse apelo é muitas vezes deixado em branco porque falta o pano de fundo de uma fraternidade verdadeiramente vivida: é a experiência de laços entre um e outro que nos compõe das profundezas. Os processos de subjetivação e a construção simbólica de identidades não são adequadamente implantados sem a consciência da irmandade do que nós, humanos, temos em comum”, assegura.

Na contemporaneidade, a própria noção de sacralização do humano está em crise profundo. É o que Tapias busca refletir quando afirma: “Esse tipo de Homo Deus em que alguns transumanistas pensavam, como Yuval Noah Harari definiu em seu livro com esse título, é uma fantasia perdida. E indo um passo adiante, o coronavírus, com sua letalidade, nos fez redescobrir, no meio dos modos de vida predominantes, que a morte é o reverso da vida (…..) A presença avassaladora da morte não permite que ela seja vista com base no que é socialmente oculto, jogando-a na área do reprimido. Hoje, quando vemos a experiência trágica de morrer isoladamente e a experiência traumática de não poder se despedir de parentes falecidos, redescobrimos o valor do luto em uma sociedade que até ontem o reduziu à expressão mínima, quando não era evitada. Cabe dizer, com Peter Sloterdijk, que não poderemos voltar à frivolidade em que vivemos culturalmente em muitas de nossas sociedades – embora seja muito provável que o “não permitido” seja quebrado e se volte a ela”, enfatizou.

O Homo Deus, esqueceu-se de sua finitude. Tornou-se, ao longo do tempo um Deus fabricado para satisfazer seu próprio orgulho, soberba é omnipotência.  Questionado sobre a necessidade de pensar o conceito de “terror sanitário”, ou “direito a saúde”, Tapias, volta a refletir sobre a vulnerabilidade do humano é insiste em ressaltar sobre o direito a Saúde como direito social: “Nossa finitude, nossa condição corporal, nossa vulnerabilidade, impedem considerar a saúde como direito. Falar de “direito à saúde” implica nas mesmas dificuldades de falar em “direito à felicidade”. Os direitos são reconhecidos enquanto vinculados a objetivos de justiça, e é por isso que se reconhece o próprio direito à vida enquanto exigência de respeito incondicional à vida de cada um, suporte de sua dignidade. O “direito à saúde” propriamente dito se refere de maneira aceitável ao direito à atenção sanitária, que é aplicável como um direito social declarado constitucionalmente em termos suficientemente eficazes e dignos. Portanto, em outro sentido, é necessário falar do direito à saúde, entendendo-o como um direito coletivo à “saúde pública”, ressaltou.

Perguntado sobre a possibilidade de uma redescoberta da fraternidade pós pandemia, Tapias, retoma o conceito citado e analisado por Michel Foucault, como a importância do “autocuidado” e ressalta, “Apelamos muito à solidariedade, mas esse apelo é muitas vezes deixado em branco porque falta o pano de fundo de uma fraternidade verdadeiramente vivida: é a experiência de laços entre um e outro que nos compõe das profundezas. Os processos de subjetivação e a construção simbólica de identidades não são adequadamente implantados sem a consciência da irmandade do que nós, humanos, temos em comum. Se nos colocarmos na órbita de Foucault, a pandemia nos coloca em uma posição de entender que o autocuidado faz sentido quando nos permite cuidar dos outros. E essa fraternidade redescoberta também é apreciada como um valor republicano da vida em comum, que não só é tecido socialmente, mas também institui a política como um espaço comum de liberdade e participação. Obras como a de Antoni Domènech, retomando a fraternidade para uma recuperação republicana da tradição socialista, são referências indispensáveis”, reiterou.

Finalmente, perguntado sobre: Como será o mundo pós-pandêmico? Tapias, em tom crítico, afirma, que: “Uma pandemia, por si só, mesmo sendo um evento como o que a covid-19 supõe, não apenas gera mudanças futuras na direção desejável. A história da humanidade nos oferece muitos exemplos de como continuou a vida das sociedades humanas após várias catástrofes. Até o relato bíblico de Gênesis sobre o “dilúvio universal” nos transmite a experiência de uma humanidade que, após o desastre, retorna aos seus antigos caminhos. A “nova humanidade” da história mítica torna-se objeto de uma promessa divina inerente a uma história de salvação. Numa perspectiva intra-histórica, após a pandemia, não haverá nova humanidade. Haverá humanos que, com a mesma condição, não são melhores nem piores. Ora, essa afirmação filosófico-antropológica não é pessimista, nem mesmo resignada, nem cínica. Devemos trabalhar nisso como premissa e, neste caso, a questão é como aprendemos coletivamente com a experiência que estamos tendo, para que nem tudo seja garantido pela fragilidade da boa vontade ou pelas mãos de uma memória fraca que pode ser superada”. Afirmou.

Evidencia-se nas palavras de Tapias, a dúvida latente, em um tom de certo pessimismo sobre a possibilidade de uma “nova humanidade” pós pandemia. É necessário tecer alguns questionamentos: nós, os humanos, estamos dispostos a rever os valores comunitários ou sociais que foram construídas na nossa sociedade pós-pandemia? Quais são os sinais que percebemos, e que nos dá esperança que haverá uma humanidade mais “humanizado” após esta tragédia global? O homem finito, se curvará perante qual dos Deuses criado pelo Homem de agora em diante? Haverá espaço para mais partilha, compaixão e solidariedade?.

* Daniel Andrés Baez Brizueña é formado em Teologia, Ciencia das religiões, Marketing, Letras e Filosofia.

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