Em alusão ao Fevereiro Laranja, mês de conscientização e enfrentamento da leucemia, o Ministério da Saúde reforça a importância do diagnóstico precoce para combater a doença. Conhecida como câncer no sangue, a leucemia tem como principal característica o acúmulo de células doentes na medula óssea, que substituem as células normais.
No Brasil, de acordo com estimativa do Instituto Nacional de Câncer (Inca), o número de casos novos da doença estimados para cada ano do triênio 2020-2022 é de 5.920 casos em homens e de 4.890 em mulheres. Esses valores correspondem a um risco estimado de 5,67 casos novos a cada 100 mil homens e 4,56 para cada 100 mil mulheres.
Ainda segundo o instituto, em 2019, ocorreram 7.370 óbitos por leucemia no Brasil. A taxa bruta de mortalidade entre os homens foi de 3,98/100 mil homens (4.014 óbitos) e entre as mulheres foi de 3,24/100 mil mulheres (3.356 óbitos).
Diagnóstico e tratamento
O principal exame de sangue para suspeita inicial do diagnóstico de leucemia é o hemograma. A detecção precoce desse câncer é o ponto fundamental para identificar a doença em fases mais iniciais e obter maior chance de sucesso no tratamento.
Nas leucemias agudas, o processo envolve quimioterapia , controle das complicações infecciosas e hemorrágicas e prevenção ou tratamento da infiltração no Sistema Nervoso Central (cérebro e medula espinhal). Para alguns casos de leucemia, é indicado o transplante de medula óssea.
Importante lembrar que o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece tratamento para leucemia em todas as unidades da Federação. Os pacientes são cadastrados no Sistema Estadual de Regulação (SER) para tratamento oncológico. O SER então regula e direciona o paciente para consulta em hematologia ou solicita internação em um dos hospitais que dispõem de onco-hematologia.
Doação de medula óssea
O transplante de medula óssea é um tipo de tratamento proposto para formas específicas de leucemias e linfomas, e consiste na ação de um protocolo de quimioterapia intensivo e a substituição de uma medula óssea doente ou deficitária por células normais, com o objetivo de reconstituir uma medula saudável. Por isso, é importante que os doadores mantenham dos dados atualizados no Registro de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome).
O transplante pode ser autogênico/autólogo, quando as células tronco da medula óssea são obtidas do próprio paciente, ou alogênico, quando a medula é de um doador aparentado ou não. O procedimento também pode ser feito a partir de células precursoras de medula óssea, obtidas do sangue de um doador ou do sangue de cordão umbilical.
Por meio de testes específicos de compatibilidade são analisadas amostras do sangue do receptor e do doador, a fim de evitar processos de rejeição da medula pelo receptor, bem como outras complicações como a agressão de células do doador contra órgãos do receptor. A partir disso, o doador é submetido a um procedimento feito em centro cirúrgico, sob anestesia, e tem duração de aproximadamente duas horas. São feitas múltiplas punções nos ossos posteriores da bacia e é aspirada a medula. A retirada não causa qualquer comprometimento à saúde e os riscos para o doador são mínimos. Em poucas semanas, a medula óssea estará inteiramente recuperada.
Em algumas situações clínicas, o doador pode ser submetido ao processo de coleta de células progenitoras (tronco) por uso de substância que estimula a produção e a coleta por meio de procedimentos de filtração do sangue periférico por sessões de aférese, sem ser necessária a coleta direto na medula óssea em centro cirúrgico.
Tipos
Existem mais de 12 tipos de leucemias, sendo quatro consideradas mais recorrentes: a leucemia mieloide aguda (LMA); leucemia mieloide crônica (LMC); leucemia linfocítica aguda (LLA) e leucemia linfocítica crônica (LLC). Importante ressaltar, que o tipo de leucemia depende do tipo de célula sanguínea que se torna cancerosa. Além disso, o que vai caracterizar se a doença é aguda ou crônica é a rapidez com que ela cresce.
A leucemia ocorre mais frequentemente em adultos com mais de 55 anos, mas também é o câncer mais comum em crianças menores de 15 anos, de acordo com Inca. Em 2021, o instituto lançou duas publicações que tratam de informações importantes referentes à exposição e fatores de risco ambientais relacionados à incidência da doença.
Doença que também acomete crianças tem alta chance de cura
A oncologista pediátrica Ana Luiza de Melo Rodrigues, explica que os fatores de risco e prognósticos para a Leucemia Linfóide Aguda (LLA) são a idade da criança no diagnóstico, a contagem de leucócitos (células de defesa) no hemograma, além dos exames como imunofenotipagem e cariótipo, que revelam o comprometimento do sistema nervoso central ao diagnóstico e resposta precoce à terapia.
No caso da leucemia mieloide aguda (LMA), são fatores de risco: exposição pré-natal (ao álcool, pesticidas e infecções virais), exposição ambiental (radiação ionizante, infecções virais, pesticidas, solventes orgânicos como o benzeno, dentre outros), além de doenças hereditárias e doenças adquiridas.
Nas leucemias agudas infantis, geralmente os sintomas são cansaço, palidez, aumento do abdome por hepatomegalia (fígado aumentado de tamanho) e/ou esplenomegalia (baço aumentado de tamanho), dor óssea, linfadenopatia (aumento dos linfonodos, em especial na região cervical), febre (em consequência de infecções), petéquias (pontos vermelhos no corpo, que não somem quando pressionadas), hematomas, sangramentos – em especial de gengiva e nariz -, hipertrofia gengival, nódulos e infiltrações cutâneas.
O oncologista pediátrico tem papel fundamental no tratamento da criança. “Cabe ao oncologista gerenciar o atendimento ao paciente durante todo o curso de sua doença e isso já começa com o diagnóstico, ao explicar sobre a doença, o estágio, as formas de tratamento, as opções e como deverá ser conduzido, para que se obtenha o melhor prognóstico. Ele vai guiar a família e a criança pelo caminho que vai do diagnóstico até a cura”, pontua a médica, que é coordenadora do Grupo de Estudos de Leucemia Mielóide Aguda Infantil da Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica e do Protocolo Brasileiro para tratamento de Leucemia Mieloide (Sobope) aguda em crianças e adolescentes e professora de Hematologia do Curso de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Tratamento
A quimioterapia é o tratamento-padrão para as leucemias infantis, explica Ana Luiza, que atende no Centro de Oncologia do Paraná (COP), onde Matheus faz o acompanhamento.
“A quimioterapia é administrada por via oral, intravenosa, intramuscular ou intratecal, quando o remédio é injetado no líquido cefalorraquidiano. A medicação, ou combinação de drogas, cai na corrente sanguínea e atinge todas as áreas do corpo”.
Segundo a médica, para algumas crianças com leucemias de alto risco, a quimioterapia em altas doses podem ser administrada junto com o transplante de medula óssea. Outros tipos de tratamentos, como cirurgia, radioterapia, terapia-alvo, imunoterapia, quimioterapia de alta dose e transplante de células-tronco são utilizados em circunstâncias especiais.
Além da parte física, o tratamento psicológico é fundamental para cuidar da parte emocional da criança e da família. Entender como será o tratamento, de forma lúdica, contribui para a evolução e reflete na recuperação, como explica a psicóloga Michelle Servelhere, do Centro de Oncologia do Paraná: “As atividades lúdicas servem como um grande facilitador de aproximação da criança com seu cotidiano. Para a criança que está passando pelo tratamento, é muito importante o brincar, o lúdico. A brincadeira é um meio utilizado para aproximar a criança com a sua vida normal. Ela faz essa essa reintegração, ela vai restabelecendo a sua condição de ser criança e descobre também a si mesma. Alguns estudos também apontam o brincar como um recurso para estimular as principais funções cognitivas. Os resultados promovem melhora no humor, reduz a ansiedade, o choro e também melhora o enfrentamento da doença”.
Os pais também precisam devem ter acompanhamento psicológico, indica a profissional. “Os pais com certeza precisam buscar um acompanhamento e um suporte psicológico, não tem como fugir disso. Cada um trabalhando na sua terapia, não é em casal, não é trabalhar os pais como casal, e sim cada um na terapia individualmente”.
O carinho da equipe médica também fundamental, acredita a oncologista Ana Luiza. “Tem uma frase que gosto muito que é sobre o dever do médico: ‘Curar às vezes, aliviar muito frequentemente e confortar sempre’ [Oliver Holmes]. Ao escolhermos a medicina como profissão, devemos saber de antemão ser esta uma área onde há necessidade de grande comprometimento e responsabilidade, pois o nosso principal instrumento de trabalho é o ser humano, a vida”.
Vida após o tratamento
Periodicamente devem ser feitas reavaliações através de exames e consultas, por no mínimo cinco anos após o último dia de tratamento. “Isso porque consideramos uma criança curada, quando ela completa cinco anos do último dia do seu tratamento. Pode ser que algum órgão tenha sido afetado pelo tratamento e essa criança tenha alguma sequela, nesses casos, muitas vezes é necessária reabilitação, medicamentos de uso contínuo e cuidados especiais.
“Essa criança vai ficar com sequelas cognitivas da quimioterapia, então é muito importante que essa criança tenha um acompanhamento neuropsicológico através de testes, justamente para que se possa aferir quais foram as deficiências e as sequelas cognitivas. No período escolar, é importante uma assistência integral e também o monitoramento do seu desenvolvimento escolar, justamente para que essas dificuldades possam ser minimizadas e a criança não sinta tanto o impacto”, enfatizou a especialista.
Taxa de sobrevida
A taxa de sobrevida é utilizada pelos médicos como uma forma padrão para discutir o prognóstico de um paciente com câncer. A taxa de sobrevida em cinco anos se refere à porcentagem de crianças que vivem pelo menos cinco anos após o diagnóstico da doença. Entretanto, muitas crianças vivem muito mais tempo do que cinco anos e muitas são curadas definitivamente.
“As taxas de sobrevida são, muitas vezes baseadas em resultados anteriores de um grande número de crianças que tiveram a doença, não sendo possível prever o que vai acontecer com cada criança individualmente. Conhecer o tipo de leucemia é importante na estimativa do prognóstico de cada criança. Muitos outros fatores podem afetar o prognóstico de uma criança, como idade, localização do tumor e como a doença está respondendo ao tratamento”, observou a oncologista.
Genética e leucemia
Certas doenças hereditárias podem aumentar o risco de leucemia, mas a maioria dos casos de leucemia em crianças não parece ser causada por mutações hereditárias. “Geralmente, as alterações do DNA relacionadas com a leucemia se desenvolvem após o nascimento, finalizou a médica.